sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sexta Feira Santa


Negligência do prefeito interrompe ato litúrgico de mais de 40 anos

Manifestantes acampam da porta da Catedral e Arquidiocese cancela programação da Sexta-Feira Santa 

Jornal do Brasil

A negligência do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em negociar com os ex-moradores do prédio da Oi, no Engenho Novo, interrompeu um ato litúrgico que o mundo inteiro celebra nesta sexta-feira (18). Faz parte da programação da Igreja Católica realizar uma Solene Função Litúrgica comemorativa da Paixão e Morte de Cristo. No no Rio de Janeiro, ela seria realizada às 15h, na Catedral de São Sebastião, pelo Cardeal Dom Orani. A arquidiocese do Rio, no entanto, por questões de segurança, precisou cancelar a solenidade e também os eventos que viriam em seguida - Procissão do Senhor Morto e Auto da Paixão. Durante a madrugada desta sexta, cerca de 95 desabrigados que acampavam em frente à Prefeitura foram expulsos do local por agentes da Polícia Militar e da Guarda Municipal, e se encaminharam à Catedral.

"A liturgia foi cancelada. A igreja foi fechada porque os invasores da fábrica da Oi acamparam na porta da igreja, pedindo abrigo. O padre cancelou tudo, também não vai ter o Auto da Paixão. Já estava tudo programado, já tinha marcado todo o ensaio, não tem como fazer em outro lugar", explica a Associação Cultural da Arquidiocese, que promove o Auto da Paixão.

Os manifestantes acamparam na porta da catedral para solicitar apoio das autoridades eclesiásticas nas negociações com a Prefeitura por moradia. A Arquidiocese comentou que lamenta a situação dos desabrigados e que faria esforços para servir de ponte na negociação, principalmente pelas crianças acampadas. O arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, teria se oferecido como mediador do conflito. No começo da noite, por volta das 18h, um Major da PM entrou na Catedral para conversar com a Arquidiocese. Até o fechamento dessa reportagem ainda não havia uma posição sobre o conteúdo da conversa.

Na Sexta-Feira da Paixão, não se celebra Missa nas igrejas do mundo todo, mas, sim, a Solene Função Litúrgica comemorativa da Paixão e Morte de Jesus Cristo. Esta teria três partes, liturgia da palavra, adoração da Cruz e comunhão eucarística. Após a cerimônia, seria realizada a tradicional visita à imagem do Senhor Morto, até as 18h, quando sairia da Catedral a procissão do Senhor Morto. Com a participação de Dom Orani, imagens seriam levadas pelas ruas tradicionais do Centro do Rio até a Lapa, para voltar à Catedral e encenar, pelo 35° ano consecutivo, o Auto da Paixão de Cristo, ocasião em que o cardeal ofereceria uma mensagem aos carioca e turistas. 

Repercussão entre fiéis 

Fiéis, que se programaram para assistir a Solene Função Litúrgica, chegaram à Catedral e foram surpreendidos com as portas fechadas. Dezenove pessoas da família de Angela Cardoso vieram de Marcelândia, no Mato Grosso. "Estamos decepcionados. Eu já conheço a Igreja, mas eles não. Queria poder dividir esse momento com a minha família", lamenta Angela.

Para Antônio José Neto, a tristeza é substituída pelo que ele chama de "uma causa justa". Ele diz: "Eu lamento, mas sei que é uma causa justa. Para mim, não houve invasão, houve um pedido desesperado de socorro, que a Igreja acolheu. Nós viemos para participar dessa celebração, mas faz parte da vida. Não vou ser menos abençoado por isso".

Ana Luiza e Gabriela são irmãs e participaram da Jornada Mundial da Juventude. Elas contam que haviam programado um encontro com um grupo de jovens que também estava na Jornada. "Não sabemos como vamos fazer para encontrar com eles, mas estamos pensando em ficar aqui e participar da celebração que vai ter no estacionamento", disse Ana Luiza. A irmã completa: "O que importa é lembrar esse momento e o real significado da Páscoa. Cristo morreu e ressuscitou, por mim, por eles e por todos nós". 

Celebração com os desabrigados

A situação dos ex-moradores do prédio da Oi mobilizou membros da Igreja Católica. Um culto ecumênico, organizado às pressas, reuniu católicos, evangélicos e desabrigados no estacionamento da Catedral, por volta das 15h. Cerca de 30 pessoas entoaram hinos, leram trechos da Bíblia e fizeram orações. Às 18h, foi realizado outro ato, com orações e hinos. 

Durante o ato houve um princípio de tumulto quando o repórter de uma emissora de televisão, que foi impedido pelos desabrigados de entrar no estacionamento, se exaltou. Em uma discussão acalorada, ele provocou o grupo: "um monte de sem terra aí, um monte de sem teto". Revoltados, os desabrigados responderam gritando e jogando água em direção ao repórter.  A Polícia, que estava próxima ao local, filmou a ação. Outros integrantes do grupo que ocupa a Catedral apaziguaram a discussão, pedindo para que as ofensas e provocações não fossem respondidas.  

Para Luiz Augusto, Ministro da Sagrada Comunhão, a celebração foi uma forma "prática" de propagar o evangelho. "Eu não gosto de tumulto na rua, nunca participei de greve e nem nada disso, mas quando o ser humano está sendo ameaçado na sua integridade, o meu papel de cristão fala mais alto", explica. Luiz participou na celebração do culto e levou uma palavra de conforto para os desabrigados. "A gente acredita que fé é vida, então, estar aqui hoje realmente é a Via Sacra. Hoje nós estamos vivendo a Via Sacra atualizada", define a Coordenadora da Caridade Social, Aurea Gesler.

O Ministro de Louvor, Yan Piorno, tocou violão para o grupo que se reuniu a fim de celebrar a Páscoa. "Na verdade, esse é exatamente o público que deveria entrar na Igreja, que são os menos favorecidos. Então, nós viemos aqui dar assistência. A Prefeitura disse que está vendo um abrigo para eles, mas a gente sabe que isso pode não proceder. Há muito tempo que esse pessoal está na chuva, está na rua e até agora a Prefeitura não fez alguma coisa. Eu não vi coerência de eu estar em outra Igreja celebrando a Paixão de Cristo e essas pessoas estarem aqui, então, essa foi a minha Paixão de Cristo", diz.

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