sábado, 15 de outubro de 2011

Liberdade


"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome."

- Clarice Lispector
(via @MarkosOliveira)

Respeito à dignidade humana: um elo para a liberdade nas relações afetivas


O jesuíta Juan Masiá é professor de Ética na Universidade Sofia (Tóquio) desde 1970. Foi diretor da Cátedra de Bioética da Universidade Pontifícia Comillas, assessor da Associação de Médicos Católicos do Japão, conselheiro da Associação de Bioética do Japão, pesquisador do Centro de Estudos sobre a Paz da seção japonesa da Conferência Mundial das Religiões pela Paz (WCRP), além de colaborador do Centro Social “Pedro Claver” da Companhia de Jesus em Tóquio. Seu site pessoal, intitulado Vivir y Pensar en la Frontera é um rica fonte de consulta para os temas latentes em nossa sociedade.

Na entrevista que segue, feita por e-mail pela IHU On-Line e aqui reproduzida com grifos nossos, Juan Masiá fala sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e afirma: “temos de reconhecer que a reflexão antropológica sobre este tema tem chegado com atraso em relação às situações de fato”. Para ele, “o critério ético das relações humanas é o respeito mútuo à dignidade humana por parte de pessoas que se querem e se ajudam a crescer mutuamente. E este critério vale para avaliar uma relação de um casal, tanto heterossexual como homossexual”.

Eis a entrevista.


Considerando a possibilidade de união civil entre pessoas do mesmo sexo, o senhor acredita que ainda estejamos longe de uma celebração religiosa entre homossexuais, que também podem sonhar com a bênção de Deus para seu relacionamento?

Conhecendo a lentidão das mudanças na Igreja, assim como os medos e tabus que existem em torno desta questão, não só entre a hierarquia eclesiástica, como também entre o povo crente em diversas partes do mundo, receio estarmos longe de um reconhecimento oficial de tal celebração. Isso não impede, no entanto, que ante a situação de diversas pessoas em circunstâncias muito variadas se atue com flexibilidade pastoral, bendizendo tal união no foro da consciência e no seio de comunidades que a compreendem. Conheço, de fato, um caso em que isso foi realizado de modo muito apropriado e discreto.

Como é, hoje, o comportamento por parte da Igreja em relação a um casal de orientação homossexual que é católico e a freqüenta?

Conheço comunidades, sacerdotes e agentes de pastoral que acolhem esta situação com naturalidade e normalidade, mas lamento o fato de que sejam exceções.

Em que sentido a Santa Sé deveria avançar nessa questão da homossexualidade no intuito de caminhar com as mudanças da sociedade? O que o senhor pensa sobre a postura do Vaticano em relação a esse assunto?

Mais do que se pôr a caminhar no ritmo das mudanças na sociedade, creio que a razão fundamental para mudar de atitude ante estas pessoas e para modificar as restrições atuais na prática pastoral se baseia em levar a sério o ensino sobre não discriminar injustamente, tal como aprendemos nas palavras de Paulo: “Já não há em vossa comunidade distinção de judeus e gregos, escravos ou livres, homens ou mulheres, pois todos e todas se fazem um, mediante Jesus, o Cristo” (Gal 3, 28). Assim tentei expor brevemente no capítulo 13 de “Tertulias de Bioética” (Sal Terrae, 2005: Trotta, 2006; traduzido no Brasil pelas Edições Loyola, de São Paulo, em 2007).

Qual é o papel dos políticos católicos em relação à lei que aprova a união civil homossexual?

Pode haver, entre as pessoas católicas que desempenham um papel na política, diversidade de opiniões sobre a lei, assim como há o debate sobre se a referida união deve ser chamada ou não de matrimônio. Se têm motivos para lutarem contra, deveriam fazê-lo alegando razões para serem discutidas no debate plural e democrático. Mas não deveriam sentir-se obrigados a se opor a todo custo somente pela razão de seguir cegamente a postura expressada oficialmente pela Igreja. Se decidem se opor, deveriam dar razões compartilhadas por diferentes pessoas, independentemente de suas crenças religiosas. Uma vez que a lei foi aprovada pela maioria parlamentar, deveriam aceitar as regras do jogo democrático e não violá-las em nome de posturas religiosas convertidas em ideologia.

Para o senhor, quais são as diferenças entre a sociedade latino-americana e a sociedade japonesa em relação à união civil entre pessoas do mesmo sexo?

Não estou em condições de opinar sobre a sociedade em diversos países latino-americanos. No Japão, percebo demasiados tabus e falta de capacidade para dialogar abertamente, não só no tema das relações homossexuais, como também em outros temas de direitos humanos como, por exemplo, a igualdade de tratamento à mulher, o respeito à intimidade ou o tratamento desumano nas prisões, sobretudo no caso de pessoas condenadas à pena capital.

E o que o senhor pensa sobre a união civil entre homossexuais? Acredita mesmo que, como diz a Igreja, essas pessoas devam manter a castidade?

Temos de reconhecer que a reflexão antropológica sobre este tema tem chegado com atraso em relação às situações de fato. Por outro lado, as mudanças legais têm acontecido em diversos países com ritmo e velocidade diversa. Seria desejável que, antes de polarizar-se politicamente o debate nos parlamentos, se tivesse podido debater serenamente, no âmbito da cidadania, levando em consideração os aspectos jurídicos, psicológicos ou sociológicos. Quanto à referência ao tema da castidade, penso que se sugere desfocar por tratá-lo desde a perspectiva da chamada “moral ou ética da sexualidade”. Parece-me preferível não polarizar-se no tema das relações sexuais exclusivamente. Haveria que enfocá-lo partindo de uma “ética das relações humanas”. O critério ético das relações humanas é o respeito mútuo à dignidade humana por parte de pessoas que se querem e se ajudam a crescer mutuamente. Este critério vale para avaliar uma relação de um casal, tanto heterossexual como homossexual, ou também as relações de amizade e companheirismo entre pessoas que vivem em comunidade por terem feito uma opção de celibato por motivação religiosa. Se esse critério for observado, a relação é boa. Do contrário, não é. Não se deve definir a moralidade polarizando-se exclusivamente na relação sexual no sentido estrito da palavra. Mas isto supõe que tenhamos uma ética de critérios e não de fórmulas prontas.

Que tipo de dilema e dificuldades um homossexual católico (homem ou mulher) costuma enfrentar? Que tipo de conflito interno e de fé aparece aí?

Tenho tratado em consultas pastorais com pessoas que, em vez de sentirem-se ajudadas por sua fé, tinham maiores dificuldades na hora de resolver conflitos internos, em razão da culpabilidade proveniente da maneira como haviam sido educadas em suas crenças e por sentirem-se excluídas da comunidade eclesial. Nesses casos, antes do problema dos conflitos que podem surgir pela orientação sexual, é preciso desmontar culpabilidades patológicas e corrigir a imagem que têm (ou na qual foram educadas) sobre Deus, sobre culpa e perdão ou sobre o enfoque evangélico da moralidade.

Qual é a sua opinião sobre a questão da homossexualidade dentro da Igreja? Podemos vislumbrar a possibilidade de termos sacerdotes com orientação homossexual?

Tanto com uma orientação sexual homossexual, heterossexual ou inclusive assexuado, o problema não é a orientação, mas a opção pela vocação, se tem aptidão para ela e se há condições de seguir esse caminho. Lembro que, quando anunciei que iria para o noviciado, alguém comentou, com ironia: “É por que você não gosta de meninas?”. A brincadeira me incomodou e protestei dizendo que não é condição para escolher este caminho ser insensível, frígido, desumano ou assexuado. Hoje, expressaria isso de forma mais suave e serenamente dizendo: “Tanto uma pessoa de orientação heterossexual ou uma pessoa de orientação homossexual, ou inclusive assexuada, o que deve se sugerir, antes de optar por este caminho, é se está decidido a crescer na integração de sua sexualidade em sua personalidade, com o objetivo de capacitar-se para tratar com maturidade com homens e mulheres diferentes, sem inibir-se”.

- Graziela Wolfart

Os domingos precisam de feriados


Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino, no sétimo dia da Criação.

Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo. A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta. Hoje, o tempo de 'pausa' é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações 'para não nos ocuparmos'. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo.

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim. Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado.

Nossos namorados querem 'ficar', trocando o 'ser' pelo 'estar'. Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos? Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante. Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos.

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair - literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida. A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é 'o que vamos fazer hoje?' - já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande 'radical livre' que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria. Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar. Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

- Rabino Nilton Bonder
Reproduzido via Amai-vos

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Stand by me

Grafite: David Flores

“Primeiro vieram buscar os judeus e eu não me incomodei, porque não era judeu.
Depois levaram os comunistas e eu também não me importei, pois não era comunista.
Levaram os liberais e também encolhi os ombros. Nunca fui liberal.
Em seguida os católicos, mas eu era protestante.
Quando me vieram buscar, já não havia ninguém para me defender…”


- Martin Niemöller (1892-1984), sobre sua vida na Alemanha Nazista

* * *

Sigamos de mãos dadas, sempre!

Porque eu não posso parar.


Fomos brindados, ontem, com este lindo testemunho do nosso amigo William Delucca (@delucca). Comungamos todos do mesmo senso de solidariedade e responsabilidade pessoal por todos os irmãos que sofrem, e fazemos nossas suas palavras.

Eu não vou parar.
Eu nunca pensei em entrar, mas agora que eu entrei, não há deus, diabo, ou lâmpada fluorescente explodindo na minha cara que me fará sair.
Eu não vou parar. Eu não posso.
Não posso parar porque a próxima cara no asfalto cheia de sangue pode ser a minha, pode ser a cara do meu namorado, pode ser a cara de um amigo meu, pode ser a cara do meu pai.
Eu não posso parar porque outros já pararam.
Eu não posso parar porque muitos nem sabem que deviam ter começado.
E há tanto a se conquistar, tanto a se corrigir, tanto a se equiparar.
Ninguém deveria lutar pelo o que é seu de direito.
Ninguém deveria ser obrigado a se sentir menos humano, menos brasileiro, menos gente, menor.
Ninguém deveria ter o casamento negado, o compartilhar negado, os direitos negados, liberdade negada, a vida, enfim, negada.
Mas isso acontece.
Tem gente que é impedida de ser feliz.
Tem gente que é impedida de viver.
E isso me incomoda profundamente.
É por conta disso, desse incômodo, que eu não posso parar.
É por conta dos que pararam de lutar e pelos que ainda não começaram a batalha.
É pelo Alexandre Ivo e pelos moleques sem nome que morreram por serem como eram.
É por conta dos ‘viadinhos’, ‘bichinhas’, ‘travecos’, ‘mulheres-macho’, ‘sapatonas’.
É por conta de mim mesmo. E é por conta de todo mundo que precisa e por conta de quem nem sabe que precisa.
É por quem quer casar, por quem quer andar junto na rua, de mãos dadas, por quem quer dizer que é gay sem medo, é por quem quer, enfim, ser feliz.
O que dói nessas pessoas dói em mim.
Cada osso quebrado é um osso meu.
Cada ofensa é dirigida a mim.
Cada dia sem sossego desassossega a mim.
Não é pedir muito.
É pedir o justo.
É pedir o mínimo.
Não me sinto justiceiro de nada, nem me sinto bastião de uma causa.
Não quero fama, não quero dinheiro, não quero poder.
Quero paz. Pra mim e pros meus iguais.
Faço o pouco que faço, e farei até quando puder.
Faço o que posso na esperança de outros fazerem também,
E pra que um dia, eu olhe pro lado,
Veja um casal gay, despreocupado de tudo,
E preocupado apenas em ser feliz.
Até lá,
Eu não vou parar.

- William Delucca
Reproduzido via blog do autor

Não só de pão


A mesa jamais é para um só; é para o outro, para os outros, para a fraternidade, o amor, a humanização: e o pão impera sobre ela para ser despedaçado e compartilhado, para nutrir e para nos lembrar que não só de pão vive o ser humano.

A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, publicado no jornal La Stampa, 25-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

Eis o artigo.


Lê-se no livro de Deuteronômio: "[O Senhor] te fez passar fome e, depois, te alimentou com o maná que nem tu, nem teus pais conheciam, para te mostrar que não só de pão vive o ser humano, mas de tudo o que procede da boca do Senhor" (Dt 8,3).

Jesus retoma essas palavras, enquanto se encontra no deserto, atacado pela fome depois de 40 dias de jejum, e é tentado a recorrer ao milagre de transformar em pão as pedras que estavam diante dele. Mas, ao divisor, ele respondeu: "Está escrito: 'Não se vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus'" (Mt 4.4; cf Lc 4,4).

O pão necessário para viver, sem o qual vamos ao encontro da morte, não basta para fazer viver os seres humanos. É necessário algo mais do que pão, algo do qual o pão é apenas um sinal, algo que, como o pão, saiba trazer vida, mas uma vida outra com respeito à meramente biológica. O ser humano se humanizou no dia em que inventou e fez o pão, mas a sua humanização precisa de algo que transcenda o pão.

Há no ser humano, de fato, uma fome, um desejo, uma busca que não se detém no alimento: o alimento é absolutamente necessário, mas não é suficiente para que um ser humano se humanize. Cada um de nós, saiba ou não disso, por instinto, quer viver e, portanto, busca, ganha pão com o trabalho, mas isso não lhe basta: cada um busca um sentido na vida, porque é habitado por uma fome, a fome de se tornar ser humano.

A humanidade, essa condição de que cada um de nós vive e pela qual é responsável, é uma condição de transição entre a animalidade e a humanidade verdadeira, e o caminho que somos chamados a percorrer é aquele jamais acabado da humanização. O grande etólogo Konrad Lorenz afirmou que "o elo perdido entre o macaco e o homem somos nós": cada um de nós é esse elo, porque a nossa tarefa é a de nos humanizar. O ser humano tem fome de se tornar aquilo que acredita ser, e esse caminho está em suas mãos, está entregue à sua liberdade, às suas fadigas individuais e coletivas, à sua responsabilidade. Tornar-se humano: essa é a grande tarefa que está diante de cada um de nós! O humanismo e o cristianismo convergem para esse objetivo. Essa busca de sentido, isto é:

  • de orientação e direção (Aonde vou?);
  • de significado (O que significa? Eu quero entender!);
  • de ouvir o real (Como eu posso viver com plenitude com os cinco sentidos?);

faz, sim, com que o ser humano se humanize. Esse é o pão do homem para além do pão. É preciso rejeitar a proposição de Jean-Jacques Rousseau, segundo o qual "o homem é naturalmente bom, mas é a sociedade que o deprava, que o torna mau", porque nunca houve um "bom selvagem", mas a humanidade deve ser conquistada dia após dia. A nossa tarefa é a de resistir diante da desumanização, da barbárie, da bestialidade que existe em nós e de nos ativar para que seja possível uma convivência mais humana, uma terra mais habitável, uma sociedade, uma “polis” em que os seres humanos se humanizem sempre mais.

Há um caminho, há opções decisivas para a humanização? Sim, existem muitos caminhos possíveis, mas há um elementar, que resume todos eles. Antes de falar a respeito como conclusão, eu gostaria, porém, de traçar alguns caminhos essenciais, algumas vias de humanização que o cristianismo sempre elaborou e afirmou, mas que o ser humano não munido da fé também soube indicar.

Acima de tudo, há o caminho da liberdade: a liberdade deve ser exercitada; ela não é mendigada nem pedida; ela deve ser exercitada e basta. É indigno do ser humano mendigar a liberdade! No cotidiano, o ser humano sempre pode praticá-la, porque há pelo menos uma ocasião por dia em que ele não é vil, preguiçoso, medroso, mas sim livre. Sabemos bem que o poder político, econômico, ideológico são tentados a espezinhar a liberdade, mas cabe a nós exercê-la diante de tais poderes.

Junto à liberdade, é preciso afirmar a igualdade, não o igualitarismo que desconsidera as diferenças, mas sim a igualdade que requer o reconhecimento dos direitos de cada pessoa e de cada comunidade. A democracia vive se há esse reconhecimento da igualdade de cada pessoa, de cada ser humano, pessoa como eu. O teu próximo é como tu mesmo – diz o mandamento retomado e cumprido por Jesus – e ao teu lado não há mais judeu nem grego (cf. Gal 3,28; Col 3,11), nem marroquino, nem indiano... mas apenas um homem, uma mulher como tu.

Além disso, há o caminho da fraternidade, isto é, da práxis de solidariedade que tece laços fraternos, a capacidade de viver o amor entre todos os seres humanos. Isso requer sair de si mesmo para encontrar o outro, para ouvi-lo, para conhecê-lo, para se comunicar com ele, para criar laços de afeto e de convivência. Esse é o caminho da humanização, que exige responsabilidade e compromisso por parte de cada um de nós: eis do que vive o ser humano, através do que ele se humaniza em profundidade.

No atual contexto social, permito-me, por fim, indicar a necessidade da resistência. Refiro-me à resistência civil, em vista do caminho de humanização, a um comportamento que requer o exercício de muitas responsabilidades: a responsabilidade ecológica, para combater o deserto que avança; a da afirmação da legalidade e da justiça, sem as quais são espezinhadas justamente a liberdade, a igualdade e a fraternidade; a da convivialidade – como definida por Ivan Illich – que significa participação de todos os seres humanos na mesa do mundo, nos recursos da terra; a da beleza, tarefa essencial para combater a feiura que nos invade. Sim, devemos afirmar e exercer o direito à resistência.

A propósito, gostaria de recordar as palavras de Giuseppe Dossetti, que, no dia 21 de novembro de 1946, como membro da assembleia constituinte [italiana], apresentou em comissão esta proposta de artigo: "A resistência individual e coletiva aos atos dos poderes públicos, que violem as liberdades fundamentais e os direitos garantidos pela presente Constituição, é direito e dever de cada cidadão". Essa moção não foi aprovada, mas o que ela exprime ainda é de extrema atualidade.

Gostaria, por fim, de falar brevemente da mesa, o lugar do pão, o lugar essencial da humanização. À mesa, deveríamos convergir para comer como seres humanos, não como animais. Por isso, a mesa sempre foi percebida como o emblema da humanização, o lugar por excelência em que nos humanizamos ao longo da vida, desde que, quando pequenos, fomos admitidos à mesa ainda na "cadeirinha" até a velhice. Nessas duas fases extremas da vida, também estamos à mesa, talvez ajudados por outros, mas estamos para sempre à mesa.

O nosso estar à mesa diz a nossa liberdade: liberdade de filhos em família, liberdade de amigos que se convidam, liberdade de quem serve e qualidade senhoril de quem é servido. Mas, à mesa, também se experimenta a igualdade, uma igualdade ordenada: todos são chamados a comer com os mesmos direitos, velhos e crianças, adultos e jovens, todos podem tomar a palavra, perguntar e responder. À mesa, aprende-se a falar além de comer, aprende-se a ouvir e a intervir na convivialidade. Enfim, à mesa se confraterniza, se compartilha o pão entre companheiros, ou seja, pessoas que comem o mesmo pão, segundo a etimologia dessa palavra (cum-panis). A mesa tem um magistério decisivo para nós e para cada ser humano que vem ao mundo: somos conscientes disso?

À mesa, aprende-se e se verifica que não só de pão que vive o ser humano, porque, quando pequenos, precisamos que alguém nos dê de comer; quando adultos, de alguém que nos prepara o alimento com amor e, com o alimento, expresse o seu amor; precisamos dar graças e entender que o que comemos não é apenas a união de natureza e cultura, mas também é dom que nos é dado.

É à mesa que celebramos o nascimento, o amor nas núpcias, os eventos que nos tornam felizes e que dão sentido à nossa vida. À mesa, nos exercitamos, ou melhor, deveríamos nos exercitar para compartilhar e para fazer da própria mesa um lugar em que acolhemos e convidamos o outro. A mesa jamais é para um só; é para o outro, para os outros, para a fraternidade, o amor, a humanização: e o pão impera sobre ela para ser despedaçado e compartilhado, para nutrir e para nos lembrar que não só de pão vive o ser humano.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Cada ser humano


Cada ser humano é filho de Deus e, por isso, nosso irmão, que como tal deve ser acolhido e respeitado. Cada pessoa tem de ser valorizada por aquilo que é, não por aquilo que tem, porque no rosto de cada ser humano, sem distinção de raça ou cultura, brilha a imagem de Deus.

- Papa Bento XVI

"A Igreja somos nós"


Percebemos que a ideia de conciliar nossas identidades de gays e católicos muitas vezes causa um certo estranhamento ou mesmo desconforto em algumas pessoas - e, nesse caso, não só os "fundamentalistas", mas também em muitos gays não-religiosos. Em vista disso, iniciamos semana passada uma série de depoimentos aqui no blog, que serão publicados sempre às quintas-feiras, às 15h, de algumas das pessoas que frequentam as reuniões e atividades do Diversidade Católica e que se dispuseram a compartilhar, com os leitores do blog, um pouco de suas histórias e suas vivências como gays e católicos que são.

A cada um deles, sempre, nosso muito obrigado. :-)


Lembro-me bem dos passeios de carro, com meus pais, pela orla do Rio. Penso que, a partir dos 10 anos, passei a perceber que não olhava as mulheres de biquíni, mas para os homens de sunga.

Toda a minha formação ocorreu num colégio religioso que venerava a figura feminina, embora fosse somente para meninos. Minha experiência religiosa, em todo este período, foi muito forte e determinante na minha vida. Nosso principal orientador era um religioso sério, firme e carismático. O afeto entre os colegas era natural e foram formados laços de amizade fundamentais para meu crescimento. Este conjunto foi importante para me ajudar a viver a vida com alegria, mas serviu, também, como cortina de fumaça para aceitar minha sexualidade.

Reconheço, hoje, que a figura da mulher considerada como ser inatingível, aliado a diversos complexos de adolescência e a homossexualidade rejeitada como um mundo desconhecido; levaram-me, pouco a pouco, a uma postura assexuada. Não havia procura de prazer nem com mulheres ou homens fisicamente, nem sequer pela masturbação. Vivia com minhas amizades e temia qualquer outro tipo de relacionamento afetivo. Minha religiosidade estava presente no grupo e no meu silêncio.

Meus pais cuidavam de mim generosamente, e não abordavam qualquer questão relacionada à minha sexualidade.

Casei virgem, de mulher e homem, aos 24 anos. Admirava minha esposa. Ficamos casados quase sete anos e tivemos um filho. Durante este tempo sentia que faltava alguma coisa. A minha homossexualidade me inquietava e parti para o tira-teima. Tinha 26 anos quando fiz acontecer a primeira experiência com outro homem. Passei a viver uma vida dupla e tensa. Acreditava que dando vazão aquele desejo, tudo passaria e poderia me dedicar à minha família, novamente. Ela não agüentou esta vida, a dois, estressada e pediu a separação e depois o divórcio. Vim a contar-lhe sobre minha homossexualidade, já pacificada dentro de mim, e sobre toda nossa vida de casal com conflitos, alguns anos depois. Ela não desconfiava do que passáramos juntos. Ficou com o coração apaziguado e falou sempre bem de mim para o meu filho. Ao completar quinze anos tive com ele uma conversa de pai e comecei a me mostrar, melhor. Já não era criança e iniciou-se um longo processo de aceitação. Lutei muito por ele desde quando pequeno; sou um pai presente e fiel.

Mas voltando à separação. E agora? Estava livre e apavorado. Não reconhecia a possibilidade de um relacionamento afetivo com outro homem. Continuei a ter namoradas e transando, também, com outros caras. Esta dualidade foi regredindo e minha homossexualidade se afirmando. Até que passei a conviver com amigos gays másculos. “Encontrei a minha praia!” Era possível ser plenamente homem e ser homossexual!

Minha visão da Igreja sempre foi a da Santa Madre Igreja - severa, cheia de regras e pecados, falível e humana; mas antes de tudo Mãe, que acolhe e perdoa. Deus via o meu combate. Não me constrangia minha homossexualidade perante a Igreja, mas me chocava a falta de informação e, principalmente, vivência de alguns padres e leigos.

Fui seguindo meu caminho. Passei a ter parceiros fixos e aos 36 anos tive meu primeiro namorado. Meus afetos foram dando curso à vida até encontrar meu companheiro de percurso, há dez anos.

Nesta trajetória Deus estava presente. Volta e meia me apartava da agitação para me recolher à reflexão e ao silêncio.

Consegui construir um laço paterno sólido com meu filho, que freqüenta nossa casa com sua namorada. Este foi um trilhar de muita construção de ambos.

Comecei a participar do Grupo Diversidade Católica em 2008. Acredito que a Igreja somos nós – pessoas que crêem. Eu sou filho do Pai e isto se sobrepõe à opinião de alguns clérigos. A Instituição Igreja é lenta, erra e é humana. Quero ficar junto desta minha família e ser aceito do jeito que fui concebido – homossexual.

- Roberto, 56 anos, é engenheiro.

Proclamação do Cristo do Corcovado


O Cristo do Corcovado, símbolo do Rio, celebrou ontem 80 anos de sua construção - ocasião para o teólogo Leonardo Boff elaborar o seguinte texto:

Naqueles dias, ao se completarem 80 anos de existência, o Cristo do Corcovado estremeceu e se reanimou. O que era cimento e pedra se fez carne e sangue. Estendendo os braços, como quem quer abraçar o mundo, abriu a boca, falou e disse:

“Bem-aventurados sois todos vós, pobres, famintos, doentes e caídos em tantos caminhos sem um bom samaritano para vos socorrer. O Pai que é também Mãe de bondade vos tem em seu coração e vos promete que sereis os primeiros herdeiros do Reino de justiça e de paz.

Ai de vós, donos do poder, que há quinhentos anos sugais o sangue dos trabalhadores, reduzindo-os a combustível barato para vossas máquinas de produzir riqueza iníqua. Não serei eu a vos julgar, mas as vitimas que fizestes atrás das quais eu mesmo me escondia e sofria.

Bem-aventurados sois vós, indígenas de tantas etnias, habitantes primeiros destas terras ridentes, vivendo na inocência da vida em comunhão com a natureza. Fostes quase exterminados. Mas agora estais ressuscitando com vossas religiões e culturas dando testemunho da presença do Espírito Criador que nunca vos abandonou.

Ai daqueles que vos subjugaram, vos mataram pela espada e pela cruz, negaram-vos a humanidade, satanizaram vossos cultos, roubaram-vos as terras e ridicularizaram a sabedoria de vossos pagés.

Bem-aventurados e mais uma vez bem-aventurados sois vós, meus irmãos e irmãs negros,violentamente trazidos de Africa para serem vendidos com peças no mercado, feitos carvão para ser consumido nos engenhos, sempre acossados e morrendo antes do tempo.

Ai daqueles que vos desumanizaram. A justiça clama aos céus até o dia do juízo final. Maldita a senzala, maldito o pelourinho, maldita a chibata, maldito o grilhão, maldito o navio-negreiro. Bendito o quilombo, advento de um mundo de libertos e de uma fraternidade sem distinções.

Bem-aventurados os que lutam por terra no campo e na cidade, terra para morar e para trabalhar e tirar do chão o alimento para si, para os outros e para as fomes do mundo inteiro.

Maldito o latifúndio improdutivo que expulsa posseiros e que assassina quem ocupa para ter onde morar, trabalhar e ganhar o pão para seus filhos e filhas. Em verdade vos digo: chegará o dia em que sereis espoliados. E a pouca terra da campa será pesada sobre vossas sepulturas.

Bem-aventuradas sois vós, mulheres do povo, que resististes contra a opressão milenar, que conquistastes espaços de participação e de liberdade e que estais lutando por uma sociedade que não se define pelo gênero, sociedade na qual homens e mulheres, juntos, diferentes, recíprocos e iguais inaugurareis uma aliança perene de partilha, de amor e de corresponsabilidade.

Benditos sois vós, milhões de menores carentes e largados nas ruas, vitimas de uma sociedade de exclusão e que perdeu a ternura pela vida inocente. Meu Pai, como uma grande Mãe, enxugará vossas lágrimas, vos apertará contra o seu peito porque sois seus filhos e filhas mais queridos.

Felizes os pastores que servem, humildemente, o povo no meio do povo, com o povo e para o povo. Ai daqueles que trajem vestes vistosas, se envaidecem nas televisões, usam símbolos sagrados de poder, exaltam o Pai Nosso e esquecem o Pão Nosso. Quantos não usam o cajado contra as ovelhas ao invés de contra os lobos. Não os reconheço e não testemunharei em favor deles quando aparecerem diante do meu Pai.

Bem-aventuradas as comunidades eclesiais de base, os movimentos sociais por terra, por teto, por educação, por saúde e por segurança. Felizes deles que, sem precisar falar de mim, assumem a mesma causa pela qual vivi, fui perseguido e executado na cruz. Mas ressurgi para continuar a insurreição contra um mundo que dá mais valor aos bens materiais que à vida, que privilegia a acumulação privada à participação solidária e que prefere dar os alimentos aos cães que aos famintos.

Bem-aventurados os que sonham com um mundo novo possível e necessário no qual todos possam caber, a natureza incluída. Felizes são aqueles que amam a Mãe Terra como sua própria mãe, respeitam seus ritmos, dão-lhe paz para que possa refazer seus nutrientes e continuar a produzir tudo o que precisamos para viver.

Bem-aventurados os que não desistem,mas resistem e insistem que o mundo pode ser diferente e será, mundo onde a poesia anda junto com o trabalho, a musica se junta às máquinas e todos se reconhecerão como irmãos e irmãs, habitando a única Casa Comum que temos, este belo e irradiante pequeno planeta Terra.

Em verdade, em verdade vos digo: felizes sois vós porque sois todos filhos e filhas da alegria pois estais na palma da mão de Deus. Amém”.

Reproduzido do site do autor

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dois a dois


Não chegaremos à meta um a um, mas sim dois a dois.
Conhecendo-nos dois a dois, conhecer-nos-emos todos,
Amar-nos-emos todos, e os nossos filhos rirão
da lenda obscura onde chora um solitário.


- Paul Eluard

É brinquedo de quem?

Foto daqui

Meu filho chegou em casa contando que a fulaninha da escola tinha uma barbie. Repliquei, em modo automático: “Mas já?” (é válido lembrar que Benjamin tem 2 anos e meio, e seus coleguinhas de escola tem, no máximo, 3). O assunto morreu ali durante um tempo. Na outra semana, ele voltou com o tópico: “Fulaninha tem uma barbie” e, ao não ouvir uma resposta, completou: “Mas já?” Dei risada, o que sempre o encoraja. “Barbie é brinquedo de menina”, ele continuou. Opa, peraí. Essa frase não foi minha. E não foi engraçada.

“Não, meu filho. Barbie não é brinquedo de menina.” – retorqui. “É brinquedo de quem então, mamãe?” Titubeei. Nessa pergunta tão simples e inocente cabe tanta coisa. Cabe consumismo, cabe machismo, cabe auto-estima. Cabe a visão que meu filho terá de si mesmo, e cabe a visão que ele terá dos outros.

Poderia responder que barbie é o brinquedo da irmã daquele menino que outro dia viera me perguntar: “Por que você não compra uma mochila de verdade para ele?” A linda mochila de lã peruana comprada com carinho pelos avós em viagem não é uma mochila de verdade na cabeça daquele menino, pois ninguém na escola tem uma igual. Poderia responder que barbie é o brinquedo daquela menina cuja mãe torce o nariz se ela receber um brinquedo artesanal. Poderia responder que barbie foi o brinquedo da professora que disse que era de menina.

Poderia dizer que barbie é o brinquedo de umas tantas gerações de mulheres insatisfeitas com sua própria imagem, que barbie é o brinquedo de outras tantas gerações de pessoas imersas em um ciclo vicioso de consumo, incluindo sua própria mãe nas duas categorias acima. Ou eu poderia simplesmente dizer que barbie não é um brinquedo que eu quero pra ele. Mas ele não deixaria barato: “Por que, mamãe?” seria a próxima pergunta, e voltaríamos às respostas acima.

Então, fiz uma coisa muito feia e fugi às discussões sócio-filosóficas com a criancinha: “Mamãe não gosta de barbie. Sabe do que a mamãe gosta? De cosquinha!” e o assunto morre mais uma vez, até fulaninha aparecer com a tal boneca na escola novamente. Para me preparar, pergunto à vocês: barbie é brinquedo de quem?

- Nanda
Reproduzido do blog Mamíferas

Dez conselhos para viver a religião

Foto: Jack Brauer

1. Religue-se. Evite o solipsismo, o individualismo, a solidão nefasta. Religue-se ao mais profundo de si mesmo, lá onde se cultivam os bens infinitos; à natureza, da qual somos todos expressão e consciência; ao próximo, de quem inevitavelmente dependemos; a Deus, que nos ama incondicionalmente. Isto é religião, re-ligar.

2. Tenha presente que as religiões surgiram na história da humanidade há cerca de oito mil anos. A espiritualidade, porém, é tão antiga quanto a própria humanidade. Ela é o fundamento de toda religião, assim como o amor em relação à família. Busque na sua religião aprimorar a sua espiritualidade. Desconfie de religião que não cultiva a espiritualidade e prioriza dogmas, preceitos, mandamentos, hierarquias e leis.

3. Verifique se a sua religião está centrada no dom maior de Deus: a vida. Religião centrada na autoridade, na doutrina, na ideia de pecado, na predestinação, é ópio do povo. “Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disse Jesus (João 10,10). Portanto, a religião não pode manter-se indiferente a tudo que impede ou ameaça a vida: opressão, exclusão, submissão, discriminação, desqualificação de quem não abraça o mesmo credo.

4. Engaje-se numa comunidade religiosa comprometida com o aprimoramento da espiritualidade. Religião é comunhão. E imprima à sua comunidade caráter social: combate à miséria; solidariedade aos pobres e injustiçados; defesa intransigente da vida; denúncia das estruturas de morte; anúncio de um “outro mundo possível”, mais justo e livre, onde todos possam viver com dignidade e felicidade.

5. Interiorize sua experiência religiosa. Transforme o seu crer no seu fazer. Reduza a contradição entre a sua oração e a sua ação. Faça pelos outros o que gostaria que fizessem por você. Ame assim como Deus nos ama: incondicionalmente.

6. Ore. Religião sem oração é cardápio sem alimento. Reserve um momento de seu dia para encontrar-se com Deus no mais íntimo de si mesmo. Medite. Deixe o Espírito divino lapidar o seu espírito, desatar os seus nós interiores, dilatar sua capacidade amorosa.

7. Seja tolerante com as outras religiões, assim como gostaria que fossem com a sua. Livre-se de qualquer tendência fundamentalista de quem se julga dono da verdade e melhor intérprete da vontade de Deus. Procure dialogar com aqueles que manifestam crenças diferentes da sua. Quem ama não é intolerante.

8. Lembre-se: Deus não tem religião. Nós é que, ao institucionalizar diferentes experiências espirituais, criamos as religiões. Todas elas estão inseridas neste mundo em que vivemos e mantêm com ele uma intrínseca inter-relação. Toda religião desempenha, na sociedade em que se insere, um papel político, seja legitimando injustiças, ao se manter indiferente a elas, seja ao denunciá-las profeticamente em nome do princípio de que somos todos filhos e filhas de Deus. Portanto, temos o direito de fazer da humanidade uma família.

9. A árvore se conhece pelos frutos. Avalie se a sua religião é amorosa ou excludente, semeadoras de bênçãos ou arauto do inferno, serva do projeto de Deus na história humana ou do poder do dinheiro.

10. Deus é amor. Religião que não conduz ao amor não é coisa de Deus. Mais importante que ter fé, abraçar uma religião, frequentar templos, é amar. “Ainda que eu tivesse fé capaz de transportar montanhas, se não tivesse o amor isso de nada me serviria”, disse o apóstolo Paulo (1 Coríntios 13, 2). Mais vale um ateu que ama que um crente que odeia, discrimina e oprime. O amor é a raiz e o fruto de toda verdadeira religião; e a experiência de Deus, de toda autêntica fé.

- Frei Betto
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"Eu" igual a nós

Foto: Yvan Lemur

Sempre, porém, que fizemos o bem ao próximo por ser ele um "eu" igual a nós, criado por Deus que deseja sua felicidade como nós desejamos a nossa, teremos aprendido a amá-lo um pouco mais ou, no mínimo, a desgostar dele um pouco menos.

- C. S. Lewis

O alto custo do preconceito

Instalação: Isidro Blasco

Tom, médico de 36 anos, desabafou. “Estou noivo há dois anos. A questão é que não sinto tesão nenhum por mulher. Para fazermos sexo tenho que me esforçar muito, imaginar que estou com um homem. Embora eu nunca tenha transado com outro homem, minhas fantasias são sempre nesse sentido. Mas não quero ser gay, gostaria de casar direitinho e ter família com filhos. A hipótese de decepcionar as pessoas me deixa deprimido. Tenho muito medo de ser rejeitado, inclusive profissionalmente.”

Foi um escândalo. Em 1948, o Relatório Kinsey mostrava que apenas metade de todos os homens americanos eram exclusivamente heterossexuais, isto é, não participaram de atividades homossexuais nem sentiram desejos por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, nos últimos 40 anos, a homossexualidade foi afetada por mudanças tão profundas quanto aquelas que influenciaram a conduta heterossexual. Sobretudo com o surgimento da pílula, permitindo a dissociação entre o ato sexual e a procriação. Como representante máxima do sexo visando unicamente ao prazer a homossexualidade foi beneficiada socialmente. Os homossexuais puderam, então, sair da clandestinidade e a prática homossexual se aproximou da heterossexual.

Mas o problema da minoria homossexual é que seu destino depende da forma como ela é vista pela maioria heterossexual. Em 1983, por exemplo, ocorreu uma manifestação em Nova York para mobilizar a opinião pública contra a Aids. Desfilaram policiais entre uma orquestra gay, acenando fotos de Roland Barthes, Jean Cocteau e André Gide. A reação dos moralistas não demorou a chegar. Patrick J. Buchanan, ex-redator dos discursos do presidente Nixon, numa clara alusão ao HIV se pronunciou: “Os homossexuais declararam guerra à natureza. A natureza se vinga. A revolução sexual começa a devorar seus filhos”.

A homofobia — ódio aos homossexuais — continua a fazer estragos. No Brasil, em 2010, foram documentados 260 assassinatos de gays, travestis e lésbicas. Não resta dúvida que os machos heterossexuais que perseguem o ideal masculino da nossa cultura utilizam-se dos homossexuais como contraste psicológico para a afirmação de sua masculinidade. Mas será que já não passou da hora de se aceitar a homossexualidade como tão natural quanto qualquer outra forma de sexualidade, apenas diferente da maioria?

- Regina Navarro Lins
Psicanalista e escritora, autora do livro A Cama na Varanda (Best Seller) entre outros

Fonte: Jornal O Dia

Reverendo lança crônicas gays no Rio de Janeiro

Já tivemos o orgulhos de partilhar boas experiências com nossos amigos da Comunidade Betel ICM do Rio de Janeiro.

Repassamos a divulgação do livro de um excelente pastor que sem dúvida tem muito a nós dizer também.









Crônicas de um pastor gay é o novo livro de Márcio Retamero, com lançamento dia 13


Depois de lançar o bem recebido "Pode a Bíblia Incluir? Por um olhar inclusivo das Sagradas Escrituras" (Editora Metanoia), o pastor Márcio Retamero volta às prateleiras das livrarias brasileiras com “Crônicas de um pastor gay” (Editora Metanoia). A obra ganha lançamento no próximo dia 13, a partir das 19h, no Rio de Janeiro, na Livraria da Travessa de Ipanema.

Autor ainda de “Banquete dos Excluídos”, o reverendo da Comunidade Betel ICM do Rio de Janeiro e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo faz nessas novas 160 páginas uma reunião de crônicas publicadas sobre assuntos como teologia política, combate ao fundamentalismo religioso e os diversos tipos de homofobia – inclusive a religiosa.

Ainda teólogo e historiador, Márcio Retamero estará recebendo os leitores no dia 13, a partir das 19h para quem quiser conhecer mais da obra. A Livraria da Travessa de Ipanema fica na Rua Visconde de Pirajá, 572, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. A entrada é gratuita.

Fonte:
Mix Brasil

Eu, religioso sem fé

Ilustração: Adriana Komura

Depois de ter perdido toda uma série de práticas e de tradições que os ateus consideravam insuportáveis por causa daquilo que Nietzsche definia de "o mau cheiro da religião". a sociedade secular se empobreceu injustamente. Enquanto buscávamos nos libertar de ideias impraticáveis, também renunciamos erroneamente a alguns dos aspectos mais úteis e fascinantes da religião.

A opinião é do escritor e filósofo suíço Alain De Botton (fundador da School of Life, em Londres), em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 04-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

Eis o texto.


Cresci em uma família de ateus convictos, filho de judeus não observantes que colocam a fé religiosa no mesmo plano da fé no Papai Noel. Meu pai tinha conseguido fazer a minha irmã chorar quando havia tentado extirpar da sua mente a ideia, nem tão enraizada, de que, em algum lugar do universo, se escondia um deus solitário.

Eu tinha oito anos, na época. Se os meus familiares descobrissem que alguém, no seu círculo de conhecidos, nutria secretamente um sentimento religioso, começavam a tratá-lo com a comiseração que, em geral, se reserva a quem sofre de uma doença degenerativa. A partir desse momento, para eles, era impensável recomeçar a levá-lo a sério. Embora eu tenha sido fortemente influenciado pela atitude dos meus pais, passados os 20 anos, o meu ateísmo me pôs em crise. As dúvidas surgiram quando eu ouvi pela primeira vez as cantatas de Bach; se desenvolveram enquanto eu observava algumas Madonnas de Bellini; e se tornaram um tormento quando eu me aproximei pela arquitetura zen.

No entanto, foi apenas muitos anos depois da morte de meu pai – enterrado sob uma lápide gravada em hebraico em um cemitério judeu de Willesden, zona noroeste de Londres, porque, detalhe interessante, ele tinha se esquecido de deixar instruções mais seculares – que eu comecei a aceitar o peso da minha ambivalência com relação aos princípios indiscutíveis que me haviam sido incutidos durante a infância.

A minha certeza de que Deus não existe permanecia intacta. Eu me sentia simplesmente mais livre para a ideia de que havia um modo de se aproximar da religião sem ter que aceitar também, por força, o lado sobrenatural; um modo, em termos mais abstratos, de pensar nos Padres sem ofuscar a memória do meu pai. Dei-me conta de que a minha prolongada resistência às teorias sobre o além ou sobre os habitantes do paraíso não era uma justificação suficiente para descartar a música, os edifícios, as orações, os rituais, as celebrações, os santuários, as peregrinações, as refeições em comum e os manuscritos iluminados.

Depois de ter perdido toda uma série de práticas e de tradições que os ateus consideravam insuportáveis por causa daquilo que Nietzsche definia de "o mau cheiro da religião", a sociedade secular se empobreceu injustamente. Agora, o termo "moralidade" nos causa medo, e, ao pensamento de ouvir um sermão, preferimos dar no pé.

Evitamos a ideia de que a arte pode nos elevar ou ter uma missão ética. Não vamos em peregrinação. Não sabemos mais construir templos. Não temos instrumentos para expressar gratidão. A ideia de ler um manual de autoajuda nos parece estar em contraste com os nossos nobres princípios. Rejeitamos o exercício mental. Raramente vemos desconhecidos cantando juntos. Infelizmente, estamos diante de uma escolha: abraçar a estranha ideia de que existem divindades imateriais, ou abandonar em bloco uma série de rituais reconfortantes, refinados ou simplesmente fascinantes dos quais custamos para encontrar um equivalente na sociedade secular. Talvez tenha chegado o momento de liberar as nossas necessidades espirituais do verniz religioso que os recobre, embora, paradoxalmente, muitas vezes, seja o estudo das religiões que nos fornece a chave para redescobrir e reformular essas necessidades.

A minha tentativa é a de ler as fés, principalmente a cristã, e, em menor medida, a judaica e a budista, em busca de intuições que possam ser úteis na vida secular, sobretudo com relação aos problemas levantados pela convivência dentro de uma comunidade e dos sofrimentos mentais e físicos.

Longe de negar os valores do secularismo, a minha tese é de que, muitas vezes, secularizamos mal, isto é, enquanto buscávamos nos libertar de ideias impraticáveis, também renunciamos erroneamente a alguns dos aspectos mais úteis e fascinantes da religião.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Jump for my love

Foto daqui

Porque você entrou na minha vida como um incêndio, e todos os dias agora são de sol, com cheiro de piscina da cor dos seus olhos. Porque eu sinto o tempo todo a tua mão na minha, mesmo quando você está longe. Porque o teu sorriso é o mais lindo e luminoso, e todos os dentes são teus. Porque você tem um J de pintas na barriga e porque carrego sempre um riso por dentro, mesmo quando estou mais séria, porque durmo e acordo ao seu lado. Porque, mesmo depois desse tempo, me dá borboletas no estômago quando sei que você está pra chegar. Porque minha vida inteira até então tinha sido esperando você chegar. Porque eu lembro de tudo, e meu coração bate por cada detalhe. Porque eu nunca sei qual será a próxima surpresa, só sei que sempre haverá alguma. Porque você é a minha garota, e contigo todo dia é dia de rock, bebê.

E ninguém venha me dizer que isso não é sagrado e lindo aos olhos de Deus.

"Somos todos iguais perante a paz, toda forma de violência deve ser crime"

Foto daqui

Ontem foi dia de pedir paz e igualdade na Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, cujo tema este ano deu título a este post. Aproveitamos a ocasião para reproduzir este belo artigo de Peter Fry, originalmente publicado no Estado de S. Paulo (ontem mesmo) - e lembramos também de dois artigos que publicamos semana passada sobre o tema da paz: um, sobre a prioridade que deve ter o compromisso das religiões com a paz (aqui), e outro, a propósito da celebração do Yom Kippur, sobre o paradoxo inerente aos fanatismos religiosos como geradores de atos de violência, injustiça e desamor, aqui. Boa leitura! :-)

Em junho, a parada gay encheu a Avenida Paulista com 4 milhões de pessoas, entre lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e muitos, mas muitos, simpatizantes. O lema foi "Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia".

Pouco mais de três meses depois, na madrugada de 1º de outubro, o analista fiscal Marcos Paulo Villa, de 32 anos, e seu namorado há mais de quatro anos, um coordenador financeiro de 30 anos que preferiu não se identificar, foram brutalmente espancados ao sair de um bar na região da Avenida Paulista por dois homens que os xingaram de viados. Após ser socorrido, o casal registrou a ocorrência no 78º DP (Jardins). O crime foi registrado como lesão corporal consumada e comunicado à Delegacia de Crimes Raciais e Crimes de Intolerância (Decradi).

Há uma certa sugestão no ar de que essas agressões são novidade e estão aumentando em frequência e gravidade; os jornais noticiam que esse ataque foi o décimo caso de agressão contra homens gays na região da Paulista desde novembro de 2010. E o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais de 2010 do Grupo Gay de Bahia registrou 260 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil em 2010, 62 a mais que em 2009 (198 mortes), um aumento de 113% nos últimos cinco anos (122 em 2007).
Mas estatísticas só podem ser interpretadas quando se sabe o que medem. No caso em questão, pode ser que meçam também a crescente disposição das vítimas de agressões desse tipo a se queixar na polícia e a nomear a homofobia como fator da violência. Se Marcos Paulo Villa não tivesse feito queixa (o namorado, por exemplo, não quis se identificar), talvez o caso não tivesse passado de mais uma briga na saída de um bar. Sem querer negar um aumento real, fica evidente que há, de fato, um aumento da visibilidade das agressões homofóbicas, que, sugiro, está relacionado à visibilidade positiva da homossexualidade promovida pelo movimento LGBTT, acatada cada vez mais por segmentos significativos da sociedade.

A estratégia dos movimentos LGBTT de incrementar as paradas gay - sempre abertas para cada vez mais "simpatizantes" - tem sensibilizado muita gente, inclusive a administração pública e a Justiça. O governo federal promoveu o projeto Brasil sem Homofobia. Vários juízes têm dado ganho de causa a casais do mesmo sexo em situações diversas (herança, adoção, pensão) ao longo dos últimos anos, e em maio deste ano o STF aprovou por unanimidade o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo. Até o voraz Leão se sensibilizou. Quando preenchi o formulário do imposto de renda neste ano vi que poderia declarar um companheiro do mesmo sexo como dependente, se ele tivesse morado comigo por cinco anos ou mais.

Esse processo de normalização da homossexualidade (sobretudo quando se trata de relações ditas estáveis) tem feito com que Marcos Paulo Villa, entre outros, tenham tido mais confiança para se queixar à Justiça, assim tornando mais visível a violência homofóbica.

Mas a batalha está longe de ser vencida. Em 17 de maio, o juiz e pastor da Assembleia de Deus Jeronymo Pedro Villas Boas, de Goiânia, anulou o contrato de união estável celebrado pelo casal Liorcino Mendes e Odílio Torres num cartório da cidade. Também no em maio, depois de se reunir com deputados da chamada bancada religiosa, o governo suspendeu todos os livros e vídeos que estavam sendo editados pelos Ministérios da Saúde e da Educação sobre a questão da homofobia. Além disso, até hoje, o Congresso Nacional não votou a Lei da Homofobia. Tampouco votou a lei que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo, que jaz entre teias de aranha dos processos esquecidos desde que foi proposta por Marta Suplicy, em 1995.

Assim, a homofobia e a homofilia coexistem em constante tensão em toda a sociedade, de tal forma que nunca se sabe qual vai prevalecer em cada uma das situações que se apresentam. Até no concerto das nações o Brasil ocupa uma posição totalmente contraditória. Em 2009 O Rio de Janeiro foi eleito o melhor destino gay do mundo durante a 10ª Conferência Internacional de Turismo LGBT, concorrendo com Barcelona, Buenos Aires, Londres, Montreal e Sydney. Mas em termos de direitos civis o Brasil fica anos-luz atrás da sua vizinha Argentina e de seu antigo colonizador, Portugal, pois ambos legalizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Creio que esse alto grau de incerteza apenas contribui para a homofobia e a insegurança das pessoas LGBTT. Os ativistas apostam muito na Lei de Homofobia, que assemelharia a homofobia ao racismo, impondo punições draconianas para quem manifestasse sua homofobia, seguindo o princípio cada vez mais popular, parece, de que a solução para eliminar preconceitos seja incrementar cada vez mais as punições.

Eles também apostam em estender todos os direitos existentes em relação aos heterossexuais para os (as) que amam pessoas do mesmo sexo. Essa é uma demanda republicana apoiada por um movimento que, ao contrário de tantos outros, se tornou inclusivo, mobilizando milhões de cidadãos de todas as persuasões eróticas e afetivas, de todas as cores, idades e classes sociais.

- Peter Fry
Antropólogo e autor, com Edward MacRae, de "O que é homossexualidade" (Ed. Brasiliense)
Reproduzido via Conteúdo Livre

"Deus não é como o imaginamos"

Foto: Jenni Holma

Através das Suas parábolas Jesus vai mostrando aos Seus seguidores como experiencia Deus, como interpreta a vida desde as suas raízes mais profundas e como responde aos enigmas mais recônditos da condição humana.

Quem entra em contacto vivo com as Suas parábolas começa a mudar. Algo "acontece" em nós. Deus não é como o imaginamos. A vida é maior e mais misteriosa que a nossa rotina convencional de cada dia. É possível viver com um horizonte novo. Escutemos o ponto de partida da parábola chamada «Convite ao Banquete».

Segundo o relato, Deus está a preparar uma festa final para todos os Seus filhos e filhas, pois a todos quer ver sentados junto a Ele, em torno a uma mesma mesa, desfrutando para sempre de uma vida plena. Esta imagem é uma das mais queridas por Jesus para sugerir o final último da história humana.

Frente a tantas imagens mesquinhas de um Deus controlador e justiceiro que impede a não poucos de saborear a fé e desfrutar da vida, Jesus introduz no mundo a experiência de um Deus que nos está a convidar a partilhar com Ele uma festa fraterna em que culminará o melhor dos nossos esforços, desejos e aspirações.

Jesus dedica a Sua vida inteira a difundir o grande convite de Deus: «O banquete está preparado. Vinde». Esta mensagem configura o Seu modo de anunciar Deus. Jesus não predica doctrina, desperta o desejo de Deus. Não impõe nem pressiona. Convida e chama. Liberta de medos e acende a confiança em Deus. Em Seu nome, acolhe à Sua mesa pecadores e indesejáveis. A todos há-de chegar o Seu convite.

Os homens e mulheres de hoje necessitam descobrir o Mistério de Deus como Boa Nova. Os cristãos, temos de aprender a falar Dele com uma linguagem mais inspirada em Jesus, para desfazer mal-entendidos, aclarar preconceitos e eliminar medos introduzidos por um discurso religioso lamentável que afastou muitos desse Deus que nos está a esperar com tudo preparado para a festa final.

Nestes tempos em que o descrédito da religião está a impedir muitos de ouvir o convite de Deus, temos de falar do seu Mistério de Amor com humildade e com respeito a todos, sem forçar as consciências, sem abafar a vida, despertando o desejo de verdade e de luz que continua vivo no mais íntimo do ser humano.

É certo que a chamada religiosa encontra hoje a rejeição de muitos, mas o convite de Deus não se apagou. Podem escutá-la todos os que no fundo das Suas consciências escutam a chamada do bem, do amor e da justiça.

- Jose Antonio Pagola
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

domingo, 9 de outubro de 2011

O Amado não partiu

Foto: Isac Goulart

Vós que saístes a peregrinar!
voltai, voltai, que o Amado não partiu!

O Amado é vosso vizinho de porta,
por que vagar no deserto da Arábia?

Olhai o rosto sem rosto do Amado,
peregrinos sereis, casa e Kaaba.

De casa em casa buscastes resposta.
Mas não ousaste subir ao telhado.

Onde as flores, se vistes o jardim?
A pérola, além do mar de Deus?

Que descobristes em vossa fadiga?
O véu apenas, mas vós sois o véu.

Se desejas chegar à casa do alma,
buscai no espelho o rosto mais singelo.


- Rûmî

(Fonte: Marco Lucchesi. A sombra do Amado. Rio de Janeiro: Fisus, 2000, p. 39. Reproduzido via Blog do IHU)

Lendo o “antigo” Leonardo Boff num domingo de manhã e pensando em teologia, sexualidade, política e economia

Foto: Anna Aden

Do livro “A Trindade e a sociedade”.

“Dois seres totalmente distintos, entre os quais pouco há de comum, dificilmente podem estabelecer laços de comunhão. Entre recíprocos e conaturais vigora certa atração; quanto maior, mais perfeita se apresenta a comunhão; nunca haverá fusão, pois cada parte conserva sua identidade; mas o desejo e o impulso de fusão, de tornar-se um com o outro, caracterizam o nível de profundidade da comunhão”.

“O eu nunca existe sozinho; ele é habitado por muitos, suas raízes penetram os outros, como ele é penetrado pelos outros. Daí podemos dizer que o próprio do humano não é viver, mas con-viver, não é ser mas existir em comunhão com os semelhantes mesmo os mais distantes, é deixar-se penetrar pelos outros e penetrar também os outros”.

“A unidade societária que existe na Trindade funda a unidade humana; esta vem inserida naquela. As pessoas não são anuladas, mas potenciadas. (...) amor que se comunica e estabelece comunhão. (...) É um encontro absoluto e eterno. Mas não é um amor de amantes enclausurados ele se expande”.

“conter um ao outro, inabitar (morar um no outro), estar um no outro. (...) uma pessoa está dentro da outra, envolve a outra por todos os lados (circum), ocupa o mesmo espaço que a outra, enchendo-a com sua presença. (...) interpentração de uma Pessoa na outra e com a outra. (...) cada uma penetre sempre a outra”.

“Esse regime [liberal-capitalista] introduziu as mais radicais divisões que se tem notícia (...). As sociedades sob o regime capitalista contradizem por sua prática e por sua teoria as interpelações e convites da comunhão trinitária”.

“O social não é realizado em todas as dimensões, a partir de baixo, nos relacionamentos pessoais, na constituição de rede de comunidades, a partir das quais se organiza a sociedade civil com seu aparelho de articulação e condução que é o Estado. O social burocraticamente imposto não gera uma sociedade de iguais dentro das diferenças respeitadas, mas a coletivização com traços de massificação”.

“Uma sociedade que se deixa inspirar pela comunhão trinitária não pode tolerar as classes, as dominações a partir de um poder (econômico, sexual ou ideológico) que submete e marginaliza os demais diferentes”.

- André Musskopf
Reproduzido via blog do autor

Ser chamado ou ser eleito?


“Assim, a veste nupcial não é uma roupa que devemos comprar para participar da festa de casamento; as pessoas são convidadas nas encruzilhadas, nas ruas, assim como elas são. A veste nupcial diz o que nós nos tornamos quando participamos da festa de casamento, organizada pelo Deus da Nova Aliança. No fundo, aceitar o convite, responder ao chamado, é aceitar nos deixar transformar por Cristo para nos tornarmos como ele. É revestir-se de Cristo; é tornar-se o Cristo ressuscitado.”

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote do Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras deste domingo, 28º Domingo do Tempo Comum (09 de outubro). A tradução é do Cepat, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

Eis o texto.

Referências bíblicas:
Primeira leitura: Is 25, 6-9;
Evangelho: Mt 22, 1-14.

Depois da parábola do pai e dos dois filhos (26º domingo do Tempo Comum, Ano A) e aquela dos vinhateiros homicidas (27º domingo do Tempo Comum), esta é a terceira parábola do Reino que Mateus nos conta em duas partes, que parecem, à primeira vista, se contradizer. Mas, na verdade, trata-se de duas parábolas que são complementares: a parábola do banquete aberto a todos (Mt 22, 1-10) e a parábola da veste nupcial exigida de todos (Mt 22, 11-14). Como devemos entendê-las?

1. A parábola do banquete aberto a todos (Mt 22,1-10). Nesta primeira parte do Evangelho de hoje, ou melhor, a parábola do banquete, Mateus lembra-nos que o cristianismo não está reservado para uma elite. Todos, independentemente de quem somos e do que fazemos, somos convidados pelo Senhor para a grande festa do Reino: “Ide, pois, às encruzilhadas dos caminhos e convocai para o banquete todos aqueles que encontrardes” (Mt 22, 9).

Já no Antigo Testamento, o Livro de Isaías no trecho de hoje, o profeta fala de um grande banquete onde todos são convidados: “Javé dos exércitos vai preparar no alto deste monte, para todos os povos do mundo, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carnes suculentas, de vinhos refinados” (Is 25, 6). Mas que festa é essa? Esta é a festa messiânica prometida pelos profetas. Para os cristãos que releem Isaías, esta é a nova Aliança selada na morte e ressurreição de Cristo. Esta esperança em um mundo novo não é uma invenção cristã. Ela pode ser encontrada no profeta Isaías: “Dir-se-á, nesse dia: É ele o nosso Deus. Nós esperamos nele e ele nos liberta. É o Senhor em quem pusemos nossa esperança. Exultemos, jubilosos, pois ele nos salva” (Is 25, 9).

Então, Mateus, inspirando-se no profeta Isaías também fala de uma festa, de um banquete em que o rei (Deus) casa seu filho (Jesus). Deus convida, primeiro, seus convidados de qualidade: os sacerdotes, os fariseus, os escribas, os líderes do povo: “Ele mandou seus servos chamarem os convidados às núpcias. Mas eles não quiseram vir” (Mt 22, 3). Mas Deus insiste: “Ele mandou ainda outros servos com o encargo de dizer aos convidados: ‘Eis que eu preparei o meu banquete, os meus touros e meus animais cevados já foram degolados, tudo está pronto, vinde às núpcias’” (Mt 22, 4). Mais uma vez, os eleitos ficaram indiferentes: “Mas eles, sem fazer caso, foram-se um para seu campo, outro para seu negócio” (Mt 22, 5). E pior ainda, e Mateus não faz referência ao que aconteceu historicamente, ele disse apenas que alguns atacaram os servos, os profetas: “Os outros, agarrando os servos, maltrataram-nos e os mataram” (Mt 22, 6).

O evangelista refere-se à destruição de Jerusalém pelos babilônios em 587 a.C., quando os líderes de Israel ficaram surdos aos apelos dos profetas e também se refere à destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C., onde havia uma relação muito tensa entre o farisaísmo e a comunidade cristã de Mateus. Em ambos os casos, trata-se da recusa das autoridades eleitas (os principais sacerdotes e fariseus) em reconhecer a nova Aliança no Cristo Pascal: “Então, ele disse a seus servos: ‘O banquete está preparado, mas os convidados não eram dignos dele’” (Mt 22, 8). E assim, o convite é agora feito a todos, sem exceção: “Ide, pois, às saídas dos caminhos e convocai para o banquete todos aqueles que encontrardes” (Mt 22, 9).

A mensagem de Mateus é dizer que a salvação é universal e que nenhuma exigência moral é demandada: “Estes servos partiram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala do banquete ficou cheia de convivas” (Mt 22, 10). Isto significa que na Igreja, na sala do banquete, você não pode negar o acesso ou a entrada baseado na moral ou numa questão de gênero, de raça, de sexo ou de cultura. Todos são chamados e convidados. A salvação é oferecida generosa e gratuitamente.

2. A parábola da veste nupcial (Mt 22, 11-14). Na segunda parábola, parece haver uma contradição: se todos estão convidados para o casamento, então por que a necessidade de usar roupas especiais? Na sua versão longa, a parábola do Evangelho de hoje nos dá um toque curioso, não encontrado em Lucas. De fato, em Mateus, vemos uma espécie de paradoxo entre a gratuidade da salvação oferecida a todos e a exigência de usar uma veste nupcial para aqueles que respondem positivamente ao convite. Como devemos entender essa aparente contradição?

A resposta é simples: quando aceitamos o convite que nos e graciosamente feito, responder é aceitar celebrar isso por que nós nos reunimos. Isto significa que, ao participar das núpcias do filho do Rei, o Cristo ressuscitado, nós devemos aderir a ele; vestir a veste nupcial é revestir-se do próprio Cristo, tornando-se como ele. São Paulo, na carta aos Gálatas, escreve: “Sim, vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 27). Assim, a veste nupcial não é uma roupa que devemos comprar para participar da festa de casamento; as pessoas são convidadas nas encruzilhadas, nas ruas, assim como elas são. A veste nupcial diz o que nós nos tornamos quando participamos da festa de casamento, organizada pelo Deus da Nova Aliança. No fundo, aceitar o convite, responder ao chamado, é aceitar nos deixar transformar por Cristo para nos tornarmos como ele. É revestir-se de Cristo; é tornar-se o Cristo ressuscitado.

Para terminar, gostaria apenas de compartilhar um comentário do exegeta francês Jean Debruynne que faz uma diferença entre os eleitos e os chamados: "É sempre o mundo das parábolas. Desta vez, trata-se daquela das núpcias. Ela conduz diretamente ao dilema: é melhor ser chamado ou ser eleito? Mas colocar a questão desta forma já é uma prisão. É abrir o caminho para o privilégio, para o benefício e o melhor rendimento qualidade-preço. Os eleitos estão na defesa de seus privilégios. Eles têm direitos adquiridos. Eles estão segurando seus direitos. Os chamado não têm nada. Os chamados são aqueles que não têm nenhum mérito, nenhum direito. Eles devem o que são à ternura de Deus".
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...