sábado, 18 de junho de 2011

Você é homofóbico?

O relato de Deus na humanidade da liturgia


É preciso compreender a liturgia como exegese viva da Palavra de Deus e lugar eclesial da própria Palavra. Sim, a liturgia é o lugar da experiência da Palavra e do Espírito.

A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, em artigo publicado na revista mensal italiana "Jesus", junho de 2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Eis o artigo.

O "hoje" da vida eclesial, um hoje que se refere a grande linhas dos últimos 15 anos, é marcado pelo conflito: "a liturgia", que, pela sua natureza, quer ser lugar de comunhão e espaço em que o Senhor ressuscitado e vivo doa a paz à sua comunidade ("Pax vobis!", Jo 20, 19.21.26), é "lugar de conflito", de contraposição, de deslegitimação recíproca, de acusações próprias a uma lógica sectária e, em todo caso, não conforme ao espírito do Evangelho.

Toda a Igreja sofre com isso; é uma Igreja "aflita", para retomar uma expressão do magistério, e, nessa verdadeira situação de aporia, em que muitos não sabem o que dizer e o que fazer, registra-se uma paralisia que não é a conservação da tradição nem preparação de um futuro eclesial fecundo.

Mas nos perguntemos: a liturgia que vivemos hoje na Igreja, a liturgia desejada pelo Concílio Vaticano II, é capaz de ser o lugar, o local em que os fiéis podem ser sujeitos da fé cristã, capazes de experimentar o que a fé permite viver, capazes de acolher uma esperança a ser oferecida e proposta aos outros homens?

Ou a liturgia é tentada a se tornar um não lugar, ou seja, um espaço em que os homens não vivem o seu hoje no hoje de Deus, em que não encontra acolhida a humanidade real, concreta e cotidiana, em que se consuma um "sagrado" que não tem nada a ver com Jesus Cristo?

Nesse contexto, alguns elementos assumem uma importância particular para o nosso futuro de fiéis, convictos de que a liturgia é fons et culmen (cf. SC 10) de toda a sua identidade, do seu estar no mundo. Acima de tudo, creio que, em um futuro próximo, um verdadeiro empenho da Igreja deveria ser direcionado à aquisição e à compreensão da qualidade sacramental da Palavra, sem a qual permanece a patologia de um primado do eco da Palavra de Deus dita e pregada, e não da própria Palavra. É Cristo que fala quando se proclamam as Escrituras que contêm a Palavra. Não só: é o Senhor que opera, que age, que cria o evento de salvação. Um destaque, infelizmente ignorado, das premissas ao Ordenamento das Leituras da Missa, de 1981, se lembra disso, assim exprimindo uma das tarefas de quem preside a liturgia: "[Ele] alimenta a fé dos presentes no que se refere àquela Palavra que, na celebração, sob a ação do Espírito Santo, se faz sacramento" (§ 41).

É preciso verdadeiramente compreender a liturgia como exegese viva da Palavra de Deus e lugar eclesial da própria Palavra. Falta ainda uma reflexão adequada sobre a exegese litúrgica das Escrituras e também se ignora o fato de que os fiéis católicos têm o seu contato com as santas Escrituras quase exclusivamente na liturgia eucarística: só mediante essa reflexão se poderá levar os cristãos a viver a verdade do sacramentum como visibile verbum!

Além disso, devo confessar toda a minha preocupação e também o meu sofrimento com uma permanente incompreensão da relação entre liturgia e espiritualidade, ou melhor, com um equívoco que me parece sempre mais profundo e certificado. Quem, como eu, conhece há anos uma vida cristã alimentada pelos pia populi cristiani exercitia, pelas devoções e manifestações da piedade popular, alimentou grandes esperanças na hora da reforma litúrgica: naquele momento, de fato, se descobria e se assumia a convicção de que a vida espiritual pessoal não pode ter outra fonte que a liturgia, a liturgia eucarística sobretudo, a liturgia das horas, a liturgia dos sacramentos.

Como não confessar, por exemplo, que a restauração da vigília pascal desejada pela reforma de Pio XII, no início dos anos 1950, mudou a nossa espiritualidade, pondo no seu centro o mistério pascal, o mistério da morte e ressurreição do Senhor Jesus? A eucologia das coletas do tempo litúrgico e para as diversas necessidades, depois, junto com a liturgia das horas dominicais, eram a fonte da nossa espiritualidade.

Mas o que aconteceu depois, em contradição com a intenção da reforma litúrgica e o amplíssimo material que ela punha à disposição como fonte de espiritualidade autêntica para todo cristão? Por que, na Itália, as dioceses e seus escritórios litúrgicos, quando há uma assembleia diocesana, ou de presbíteros, ou de religiosos, ao invés de celebrar a liturgia das horas, preferem fabricar, comumente com diletantismo, liturgias em que não se é mais capaz de exprimir uma lex orandi?

Infelizmente, na espiritualidade atual, a referência à liturgia está ausente: muitas são as referências à oração; raríssimas as referência à liturgia... É bom que se fale da relação entre Bíblia e espiritualidade, ou da lectio divina, mas o mesmo esforço pela lectio, feito por alguns bispos e Igrejas locais, assim como por muitos fiéis, deveria ser acompanhado por uma maior atenção e por um empenho em favor da liturgia, a fonte da espiritualidade: tudo isso na consciência de que o lugar privilegiado para acolher a Palavra é justamente a liturgia!

Sim, a liturgia é o lugar da experiência da Palavra e do Espírito, mas lugar que continua sendo muito humano, em que o homem inteiro, na sua unidade de corpo, psique e espírito, é sujeito da experiência do Deus que vem a ele.

Portanto, só com uma atenção e uma inteligência que saiba captar a humanidade da liturgia é possível acolher nela o "mistério da fé". Lê-se no prólogo do quarto evangelho: "Ninguém jamais viu Deus; mas o Filho", o homem Jesus, “exeghésato”, "no-lo relatou" (Jo 1, 18).

Paralelamente, poderíamos dizer que só na humanidade autêntica da liturgia pode-se encontrar o relato de Deus, porque a liturgia é o exeghésato, aqui e agora, para nós, cristãos.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Eternidade


Minha vida é juventude rumo à plenitude.

- Frei Clemente Kesselmeier

Escutar seu coração e sua palavra

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Dom Pedro Casaldáliga, 83 anos, bispo emérito de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, e um dos bons nomes da Igreja católica, declarou em recente entrevista ao blog Movimento contra a Miséria, 15-06-11 (reproduzida via IHU, com grifos nossos):

Sobre a homossexualidade:
A sexualidade é parte integral da pessoa humana e é, por definição, relação. Se vive dentro de uma cultura, na história das pessoas e dos povos. Como toda vertente humana tem sua dimensão ética. Isso faz com que a sexualidade (heterossexualidade, homossexualidade...) seja debate, polêmica, dependendo dos pontos de vista e das situações histórico-culturais. A homossexualidade tem sido estigmatizada, sobre tudo na Igreja, e facilmente se tem enfrentado como doença e como vício. Exige-se, na Igreja principalmente, uma revisão a fundo da sexualidade e particularmente da homossexualidade, como de uma condição humana que pode e deve responder dignamente à realização da pessoa, com as exigências morais em sociedade e à vivência da fé religiosa.

Sobre Evangelho e prosperidade:
É só abrir o Evangelho de Jesus de Nazaré e escutar seu coração e sua palavra. Tudo o que seja dinheiro é suspeito. “Não podeis servir a dois senhores” A evangelização não deve procurar a prosperidade financeira da Igreja mas a partilha fraterna de todas as filhas e filhos de Deus. Não se deve optar pelo lucro, mas pelos pobres. Não é com a riqueza que a Igreja vai dar testemunho de Jesus. O Evangelho pede sobriedade, despojamento, a favor dessa Humanidade jogada à beira da estrada da exclusão. A Eucaristia é a mesa da partilha fraterna e sororal.

Teólogo pede mais humildade na Igreja


O teólogo Paul Lakeland, dirigindo-se a várias centenas de teólogos católicos reunidos em San Jose, Califórnia, pediu uma boa dose de humildade adicional quando a nossa Igreja olha para o mundo.

A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada no sítio National Catholic Reporter, 10-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, reproduzida via IHU com grifos nossos.

Sua conferência ocorreu no segundo dia do 66º Encontro Anual da Sociedade Teológica Católica dos EUA, o maior órgão de teólogos católicos da América do Norte. Lakeland é professor e presidente do Centro de Estudos Católicos da Fairfield University, em Fairfield, Connecticut.

Em uma conferência intitulada "Eu quero estar entre eles: Desejo, inclusão e a Igreja", Lakeland usou a literatura contemporânea e o imaginário evangélico – principalmente a parábola do Bom Samaritano – para construir a sua tese sobre a humildade.

Mas primeiro questionou: "Por que devemos nos centrar na virtude da humildade em uma apresentação sobre o tema da conferência sobre 'todos os santos'?". Respondendo à sua pergunta, ele disse que uma boa razão é que "a humildade é uma virtude definidora da santidade".

A razão eclesiológica mais importante para a atenção para a humildade, disse, é que, sem ela, qualquer exame de "todos os santos" inevitavelmente irá gravitar em torno do vício da exclusão.

"De fato, eu me sinto confortável ao dizer que muitos dos nossos males eclesiais de hoje são produtos do pecado da exclusão e podem ser abordados pela atenção à virtude da humildade".

Disse Lakeland: "Se estamos engajados em comparações invejosas e muitas vezes ignorantes entre a santa Igreja e o mundo pecaminoso, ou em comparações espiritualmente vazias entre a plenitude da verdade na 'nossa' tradição e os defeitos das outras, estamos envolvidos no negócio da exclusão, varrendo para fora o santo mistério de Deus para impor as nossas falíveis considerações humanas sobre onde os santos podem ser encontrados".

"Dentro da Igreja, tais crimes são cometidos quando um subgrupo da comunidade, em nome de suas convicções sobre o que a pureza parece ser, e persuadido de que pode falar por Deus, marginaliza os outros, quer eles sejam divorciados, gays e lésbicas, ou irmãs religiosas que realizam seus trabalhos, quer estejam trabalhando nos hospitais católicos ou no Congresso, quer, de fato, eles sejam até mesmo apenas teólogos".

Humildade eclesial
Lakeland, em seguida, explorou as várias facetas da humildade eclesial, construindo seu discurso em parte sobre passagens dos escritos de Flannery O'Connor e do Bom Samaritano. Ele também citou os escritos da professora de teologia da Fordham Elizabeth Johnson.

"Elizabeth Johnson escreveu que, pelo fato de 'a comunhão dos santos não limitar a bênção divina ao seu próprio círculo (...) ela engloba todas as pessoas que vivem da verdade e do amor'. A maioria de nós, senão todos, somos confiantes de que a salvação é oferecida a todos, não apenas aos batizados, ou teístas, ou crentes no 'transcendente'".

Lakeland continuou: "Deveríamos ser, todos os dias, disciplinados pela advertência em Mateus 25 de que o Juízo Final será um dia de grandes surpresas".

Yves Congar, disse Lakeland, escreveu certa vez que a Igreja e o mundo não devem ser imaginados "como dois soberanos coroados olhando de lado um para o outro, por estarem sentados no mesmo estrado", mas "muito mais como o Bom Samaritano, que segura em seus braços um homem semimorto, a quem ele não vai abandonar porque foi enviado para ajudá-lo".

"No momento teológico da celebração, a identificação da Igreja com o Bom Samaritano que vai ao encontro da vítima ferida é uma importante afirmação da prioridade da missão que chama a atenção para o fato de que a Igreja, ao longo da história, tem sido uma fonte de socorro e de consolação para as pessoas que sofrem, católicas ou não".

"Na tradição católica em particular, muitas ordens de mulheres religiosas sempre deram uma enorme contribuição aos campos da enfermagem e da educação. Os religiosos, tanto homens quanto mulheres, exerceram uma opção preferencial pelos pobres muitos séculos antes de essa frase ter sido cunhada. Ainda hoje, a Catholic Charities é a maior rede privada de organizações de serviço social nos EUA, e grande parte do seu trabalho é dirigido à ajuda direta aos mais necessitados, cristãos ou não. Quer se chame esse trabalho de humanização, pré-evangelização ou de preparação para o Evangelho, é um componente integrante da missão e do testemunho sem o qual a proclamação da boa nova de Jesus Cristo fica incompleta.

"A autorreferencialidade ou as tendências centrípetas da Igreja são evidentes na vida eclesial hoje. Elas são o lado sombrio do bem que fazemos e da comunidade santa que somos, mas seguem claramente uma ênfase dialética na celebração. Nos termos da parábola do Bom Samaritano, elas são o que acontece quando nos regozijamos com a nossa identificação com o modelo de preocupação pelos outros e esquecemos o contexto inquietante em que a parábola é contada. Se somos o Bom Samaritano que vem ao auxílio da vítima, então também somos o sacerdote e o levita que está muito ocupado com as 'coisas de Deus' para se preocupar com os prantos da vítima".

Ele continuou dizendo que a parábola do Bom Samaritano é menos uma história sobre fazer o bem do que uma história de "romper fronteiras".

"Ainda mais, a história afirma que não há limites para ser cordial com o próximo. Amar o seu próximo como a si mesmo não tem a ver com os limites ('quem é o meu próximo?'), mas sim com a ausência de limites ('Todos!'). O homem da lei, o sacerdote e o levita trabalham dentro da lei e querem saber o que ela requer. Jesus ensina-os a abandoná-la. As consequências dessa parábola para interpretar a relação correta entre a Igreja e o mundo são, portanto, consideráveis".

Em suas "Hesitations Concerning Baptism", Simone Weil apresenta um conjunto desafiador de reflexões sobre a presença da Igreja no mundo, moldado na forma de uma explicação de por que a crença em Deus não significa que ela necessariamente irá tentar entrar na Igreja, afirmou Lakeland.

"Weil escreve que o medo que ela tem da Igreja é que ela pode se tornar facilmente um 'nós' em oposição ao 'eles' do mundo".

Lakeland disse que Weil aponta para os perigos do tipo de xenofobia eclesial que perseguiu a Igreja no passado, particularmente no que John O'Malley chama de "longo século XIX", que se estende da Revolução Francesa até as vésperas do Concílio Vaticano II".

Lakeland continuou dizendo que é difícil não ver algo como o "Syllabus de Erros" ou a definição da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I – independentemente de terem sido formalmente corretos no seu tempo – como algo motivado por uma determinação a afirmar a retidão da Igreja contra a falsidade do mundo.

"Onde, na verdade, em todo esse longo século, há alguma humildade eclesiástica perante o mundo? E, se depois do Concílio Vaticano II, ultrapassamos a demonização do outro religioso, ainda continua sendo verdade que, quando a Igreja usa uma linguagem como a da Dominus Iesus, ou quando cria um 'ordinariato' para os anglicanos conservadores que fogem de sua Igreja, independentemente de quão formalmente corretos eles possam estar, eles não fazem absolutamente nada para aproximar mais a Igreja e o mundo".

"Quando os padres do Concílio Vaticano II disseram que há um sentido real que a Igreja deve aprender com o mundo, eles queriam dizer que precisamos da sua ajuda a fim de sermos mais plenamente a Igreja de Deus".

Lakeland concluiu dizendo que uma eclesiologia crítica é aquela que "leva a sério as limitações da Igreja". "O fato de a Igreja não existir para si mesma, mas pelo bem do mundo, a missão salvífica que Deus confiou à Igreja, é um dado da eclesiologia contemporânea. O que nem sempre fica muito claro é que, sendo uma comunidade sacramental, ela é, ao mesmo tempo, positiva e negativa. É o amor de Deus pelo mundo e também é necessitada do amor de Deus pelo mundo. Ela é Deus presente e Deus ausente. É agraciada e pecaminosa. É o lugar do desejo ordenado e do desejo desordenado. Ela busca a integridade e fica aquém dela. Ela cura e precisa de cura. É o Bom Samaritano que abraça a vítima e a vítima abraçada pelo Bom Samaritano. É a Igreja que ensina e a Igreja que está sempre precisando ser ensinada".

"Assim como o mundo precisa do Evangelho tanto quanto sempre, ele precisa de uma Igreja que não pense que tem todas as respostas, mas que esteja preparada para trabalhar em solidariedade com os outros na busca pela verdade que vai nos libertar a todos, uma Igreja que veja o diálogo com o nosso mundo secular como um encontro de graça com a graça, e de pecadores com pecadores, e de santos com santos".

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Lésbicas de Cristo


Lanna Holder, a ex-lésbica, ex-drogada e ex-alcoólotra pregadora evangélica, era a prova cabal do poder curador de Deus na vida dos que nele creem. Pois foi só se converter ao evangelho, e Lanna, então com 20 anos, deixou para trás um pelotão de namoradas suspirantes e as noitadas movidas a cocaína e hectolitros de álcool, consumidos diariamente.

"Centenas de ministérios disputavam 'a tapas' a presença da carismática Lanna em seus púlpitos. Em pouco tempo, ela se transformou em uma espécie de 'avatar da sorte' para quem quisesse manter sua congregação lotada", escreve um pastor, a respeito da hoje desafeta.

A reportagem é de Laura Capriglione, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-06-2011, e reproduzida via IHU.

Lanna subia ao altar e contava com voz de contralto como o milagre ocorrera em sua vida "dissoluta". A apoteose era quando apresentava o maridão emocionado e o filho. O templo vinha abaixo.

Dezesseis anos depois da conversão, a campeã da fé, agora com 36 anos, acaba de abrir uma nova igreja evangélica em São Paulo, a Comunidade Cidade de Refúgio, no centro de São Paulo.

Surpresa: em vez dos testemunhos de como se curou da "praga gay", Lanna Holder rendeu-se à homossexualidade. Ela tem até uma companheira na empreitada, a pastora e cantora gospel Rosania Rocha, 38.

As duas estão juntas há cinco anos, desde que largaram os maridos e oficializaram seus divórcios. No tempo em que era o troféu da fé, Lanna lidou com o que hoje chama de "culpa extrema". "Eu pregava o que desejava que acontecesse comigo", diz.

Para evitar reincidir, mortificou a carne com jejuns e subidas e descidas de montes, em uma espécie de cooper - para cansar mesmo.

Participou de "campanhas de libertação" todas as quartas-feiras, incluindo rituais de quebra de maldição e cura interior. Por fim, submeteu-se a sessões de "regressão ao útero materno", nos moldes preconizados no início do século XX pelo terapeuta Otto Rank (1884-1939). "Não deu certo", ela diz.

Chamada para pregar em Boston, nos EUA, bastou encontrar os olhos claros da mineira Rosania para todo o "trabalho" naufragar. Rosania também se apaixonou.

Elas pediram ajuda aos pastores, oraram muito para evitar. Ficaram quase um ano sem se ver. Mas não deu.

Depois de um acidente de carro que lhe deslocou da bacia o fêmur direito, esmagou-lhe o pulmão, causou trauma cardíaco, fratura em quatro costelas e dilaceração do fígado - hoje, uma grossa cicatriz de 0,6 metro de comprimento cruza todo o tronco de Lanna -, as duas resolveram, enfim, viver juntas.

Sobre os pastores que as acusam de criarem um lugar de culto a Satanás, uma filial de Sodoma e Gomorra, as duas líderes religiosas dizem apenas: "A nossa igreja é de Cristo, não é de lésbicas ou gays. Mas queremos deixar claro que somos um refúgio, acolhemos todos os machucados e feridos, todos os que foram escorraçados pela intolerância".

No primeiro dia, a nova igreja juntou 300 pessoas.

COMUNIDADE CIDADE DE REFÚGIO
ONDE Avenida São João, 1.600, Santa Cecília
QUANDO Quartas, sextas e sábados, às 20h. Domingo, às 18h

Leia também:
Pastoras lésbicas querem fazer 'evangelização' na Parada Gay de SP
Lanna Holder muda seu testemunho e inaugura igreja que acolhe gays e lésbicas

Frei Clemente e o mistério da alegria

Ilustração: Christopher Boffoli

Frei Clemente Kesselmeier foi embora, aos 76 anos [em 06-06-11]. Mas nos deixou o dom da alegria. Isso é uma coisa misteriosa, e ao mesmo tempo maravilhosa. As grandes ordens, na Igreja, têm cada uma o seu perfil, sua maneira de ser. Os dominicanos sempre foram grandes estudiosos (são Tomás de Aquino era dominicano). Os jesuítas se destacaram como organizadores, grandes educadores, homens de ação. Os beneditinos puxaram para o lado da contemplação. E os franciscanos — a que pertenciam santo Antonio e o nosso frei Clemente — receberam de são Francisco dois grandes dons: o dom da pobreza e o dom da alegria.

Parece engraçado falar assim; mas esses dons se comunicam. Isso eu senti quando fui a Assis pela primeira vez, e vi a igrejinha da Porciúncula, minúscula, que foi a primeira igreja franciscana. Eu tive a sensação de que do despojamento — isto é, da pobreza — é que vinha a alegria. E é o que a gente vê na vida de são Francisco e dos seus primeiros irmãos — fratres, daí frades. Eles não tinham nada; e então tudo, absolutamente tudo, aparecia como um dom. Por exemplo, a beleza do mundo, o fascínio do mundo visível, das flores, dos pássaros.

São Francisco era poeta — como o frei Clemente era poeta. E aí entra um outro paradoxo. Como nós somos cristãos, nosso ideal de vida é a vida do Cristo, e a vida do Cristo passa pela cruz. Quando os primeiros discípulos entenderam isso, ficaram assustados, preocupados. São Pedro tenta dissuadir o Cristo de falar essas coisas; e recebe uma resposta brutal: "afasta-te de mim, Satanás!" E o Cristo disse: "quem quiser seguir os meus passos, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga".

Coisas muito difíceis, que fazem parte da vida cristã. Então, como é que se pode falar de alegria? No frei Clemente, era uma coisa quase natural. Ele tinha aquela vibração, aquele entusiasmo, que tocava as pessoas. A etimologia de entusiasmo diz: cheio de Deus. E se você tem essa presença de Deus, está em contato com a fonte da alegria. São Paulo fala, nesse sentido, da “paz que ultrapassa todo entendimento”.

Os santos também sofreram, São Francisco sofreu, até fisicamente (ele tinha os estigmas da Paixão). Como sofreu o padre Pio, outro estigmatizado. Mas através [para além] do sofrimento, que é um mistério, através [para além] da cruz, o cristão enxerga a vida verdadeira, que traz felicidade — a felicidade que o mundo não pode dar.

Frei Clemente sofreu no fim da vida. Teve sua casa assaltada, foi torturado pelos ladrões. Num certo momento, ele parecia muito abatido. Depois, foi voltando ao que era.

Alguns de nós (ou muitos) tiveram esse privilégio: de acompanhar a evolução do frei Clemente. Quando ele era jovem, apareceu com o seu irmão gêmeo — padre Henrique — na redação do Jornal do Brasil. Eles sempre foram grandes comunicadores, acreditavam na importância da comunicação. Mas eram tão alegres, tão exuberantes, que às vezes pareciam meio maluquinhos. Eu cheguei a ficar desconfiado. Depois, fui entendendo o que estava por trás daquela vivacidade, daquela energia. Eles acreditavam no que estavam fazendo; não por acaso tinham trocado a Alemanha pelo Brasil.

E o frei Clemente, na sua vida sacerdotal, foi evoluindo sempre. Em fevereiro, ele rezou a missa de aniversário de meus pais — que faziam, no mesmo dia, 50 anos de morte e dez anos de morte. Foi a missa mais bonita que eu já vi. Ele já estava modificado pela doença, passava às vezes uma impressão de quem está debilitado. Mas ele nunca falou tão bem, com tanta inspiração; e o que passava daquilo tudo era uma enorme alegria, uma aleria que vem da contemplação do milagre que é este mundo, com todas as suas falhas, com todos os seus sofrimentos; e da percepção de que nós somos filhos de Deus, amados por Deus. Ele tinha uma frase linda: a qualidade da sua vida depende da qualidade do seu olhar. A gente muitas vezes olha para o mundo com um olhar de desejo. Nós queremos ter coisas, ter muitos prazeres, ter tudo o que é bom. O mundo tem muitas coisas boas, eu diria até incrivelmente boas; e a gente pode desfrutar delas. Mas sem perder de vista que não nascemos só para tirar prazer das coisas; que a vida tem outras dimensões, outras profundidades. É para essas dimensões que o frei Clemente — como todo bom padre — chamava a nossa atenção. Mas isso vinha envolvido naquela maneira de ser que era entusiasmo, alegria, doação aos outros, senso poético.

Eu diria que, nos seus 76 anos de vida, ele viveu uma aventura maravilhosa, na terra que escolheu como seu destino. Numa época onde há muito egoísmo, ele chamava as pessoas para fora dos seus mundinhos fechados; ele era um antídoto contra a depressão. E conseguia isso não por meios artificiais, por remédios, mas apontando a coisa extraordinária que é a experiência cristã, quando ela é vivida na sua verdadeira dimensão. Uma experiência de vida, e não de morte. De alegria, e não de tristeza.

- Luiz Paulo Horta
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

Marcha da liberdade

Desmond Tutu e a inclusão de gays na Igreja


O texto que segue é um trecho do novo livro do arcebispo anglicano e prêmio Nobel da Paz de 1984 Desmond Tutu, "God Is Not A Christian: And Other Provocations" [Deus não é cristão: E outras provocações].

O arcebispo Tutu diverge das políticas oficiais da maior parte das Igrejas anglicanas do mundo, que defendem que gays e lésbicas devem ser celibatários. E, desde a sua aposentadoria como arcebispo da Cidade do Cabo, ele se tornou uma das figuras mais proeminentes do mundo que pedem uma mudança nas atitudes das instituições religiosas com relação à sexualidade humana.

O artigo foi publicado no sítio The Huffington Post, 11-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Eis o texto.

Um estudante uma vez me perguntou: se eu pudesse fazer um pedido para reverter uma injustiça, qual seria? Eu tive que pedir duas. Uma é para que os líderes mundiais perdoem as dívidas das nações em desenvolvimento que as mantêm nesse estado de submissão. A outra é para que o mundo acabe com a perseguição das pessoas por causa de sua orientação sexual, que é tão injusta quanto o crime contra a humanidade que é o apartheid.

Essa é uma questão de justiça comum. Lutamos contra o apartheid na África do Sul, apoiados por pessoas de todo o mundo, porque os negros estavam sendo culpados e obrigados a sofrer por algo que não podíamos fazer nada a respeito – a nossa própria pele. É o mesmo com a orientação sexual. É um dado determinado. Eu não poderia lutar contra a discriminação do apartheid e não lutar também contra a discriminação que os homossexuais suportam, mesmo em nossas Igrejas e grupos de fé.

Estou orgulhoso porque, na África do Sul, quando ganhamos a chance de construir a nossa própria nova Constituição, os direitos humanos de todos foram expressamente consagrados nas nossas leis. Minha esperança é de que, um dia, isso vai acontecer em todo o mundo, e que todos terão direitos iguais. Para mim, essa luta é uma túnica sem costura. Opor-se ao apartheid era uma questão de justiça. Opor-se contra a discriminação contra as mulheres é uma questão de justiça. Opor-se contra a discriminação com base na orientação sexual é uma questão de justiça.

Também é uma questão de amor. Todo ser humano é precioso. Todos – todos nós – fazemos parte da família de Deus. Todos devemos ser autorizados a amar uns aos outros com honra. No entanto, em todo o mundo, pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros são perseguidas. Tratamo-las como párias e empurramo-las para fora das nossas comunidades. Fazemo-las duvidar de que elas também são filhos de Deus. Essa deve ser quase a blasfêmia suprema. Culpamo-las pelo que elas são.

As Igrejas dizem que a expressão do amor em uma relação monogâmica heterossexual inclui o aspecto físico – o toque, abraço, beijo, o ato genital. A totalidade do nosso amor faz com que cada um de nós cresça e se torne cada vez mais semelhante a Deus e compassivo. Se isso é assim para os heterossexuais, que razões terrenas temos para dizer que não é assim com os homossexuais?

O Jesus a quem eu louvo provavelmente não colabora com aqueles que difamam e perseguem uma minoria já oprimida. Eu mesmo não poderia me opôr contra a injustiça de penalizar as pessoas por algo que elas não podem fazer nada – sua raça – e depois me manter em silêncio enquanto as mulheres são penalizadas por algo que elas não podem fazer nada – seu gênero. Daí o meu apoio à ordenação das mulheres ao sacerdócio e ao episcopado.

Igualmente, não posso ficar quieto enquanto as pessoas são penalizadas por algo que não podem fazer nada – sua sexualidade. Discriminar nossas irmãs e irmãos que são lésbicas ou gays com base em sua orientação sexual, para mim, é tão absolutamente inaceitável e injusto quanto o apartheid sempre foi.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

É o batismo que une a Igreja

Female face of humanity: David Trood

"O batismo une a Igreja, não a ordenação", afirmou o teólogo e escritor Anthony T. Padovano aos mais de 1.800 católicos de espírito reformista reunidos nos dias 10-12 de junho no Cobo Hall de Detroit, nos EUA.

A reportagem é de Jerry Filteau, publicada no sítio National Catholic Reporter, 11-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Dirigindo-se ao encontro nacional inaugural do Conselho Católico Norte-Americano no dia 11 de junho, ele disse: "O papa não unifica ou santifica a Igreja ou a torna católica ou apostólica. Essa é a obra do Espírito e da comunidade. O papa é um sinal institucional de uma unidade já alcançada pelos fiéis. O papa não cria uma comunidade de fiéis, nem valida os batismos, nem faz com que a Eucaristia ocorra".

Padovano foi o primeiro presidente da Corpus, uma organização originalmente formada para buscar o retorno dos padres casados ao ministério, mas que agora defende o "ministério inclusivo", ou seja, também a ordenação de mulheres.

A maior parte do seu discurso centrou-se no fato de que as mudanças na história da Igreja, a necessidade dessa mudança e como o sensus fidelium, o sentimento dos fiéis, assim como as crenças e as práticas da Igreja muitas vezes precederam o reconhecimento por parte das autoridades da Igreja de que a mudança era necessária.

"Esse consenso dos fiéis nunca é válido se é forçado", disse. "Em um sistema totalitário, a força é um fator para a criação de complacência. Em uma comunidade de fé, o consentimento deve ser livre".

"A Igreja aprendeu, no início de sua história, que o Espírito é mais bem discernido em comunidade, nos conselhos, nos sínodos. Assim, a aceitação dos gentios não era confiável para a Igreja no ano 35 e mesmo assim tornou-se doutrina no ano 50 no Concílio de Jerusalém", afirmou.

"Em nossa época", acrescentou, "vemos que as mulheres padres não eram uma opção confiável para a comunidade há um século e agora parece ser um imperativo. O ecumenismo era impensável para os católicos em geral em 1865 e tornou-se um ensinamento conciliar em 1965. Uma celebração de comunhão liderada pelos leigos era proibida em 1935 e foi promovida em 1995".

"O que fez a diferença?", perguntou. "A comunidade e a sua experiência com os gentios, ou com as mulheres, ou com os protestantes, ou com os leigos esclarecidos. O Espírito levou a comunidade a aceitar o que os administradores da Igreja antes denunciavam".

Estruturas magisteriais
"Há três estruturas de magistério ou de ensino na Igreja: a episcopal (papal), a teológica e a comunitária", disse Padovano.

"O ensino é formalmente expresso pelo magistério episcopal", acrescentou, mas "esse ensino não é autêntico e não pode ser considerado infalível a menos que um verdadeiro diálogo entre bispos e teólogos e a comunidade em geral seja uma parte substancial dele".

Ele citou o beato cardeal John Henry Newman: "O corpo dos fiéis e seu consenso é a voz da Igreja infalível". "Seguindo o exemplo de Newman, uma doutrina não acolhida não é infalível. A infalibilidade do ensino depende da infalibilidade em acreditar e em acolher, e não o contrário", disse.

Aplicando isso à recepção dos ensinamentos do Concílio Vaticano II, ele comentou: "A comunidade afirmou os grandes temas desse Concílio: colegialidade, renovação litúrgica e bíblica, ecumenismo, liberdade religiosa e de consciência. A turbulência dos últimos 50 anos não foi causada pela resistência ao Concílio, mas sim pelo seu desejo de implementar o Concílio e de fazer isso mesmo quando os administradores da Igreja resistem aos seus esforços".

Novamente citando Newman ao afirmar que a verdade "é a filha do tempo", Padovano disse: "O sensus fidelium pode acolher uma doutrina em uma era e rejeitá-la em outra, não porque os fiéis são frívolos, mas porque sentem a emergência de novas circunstâncias, muitas vezes antes do que os administradores da Igreja".

"Assim, o celibato obrigatório pode fazer sentido em um século, mas não no outro", e as mudanças no tempo, na cultura ou nas circunstâncias podem igualmente mudar o que os fiéis acreditam com relação a questões como as mulheres padres, o controle de natalidade ou a separação Igreja-Estado, afirmou.

Se as autoridades da Igreja estivessem mais em sintonia com o sentimento dos fiéis nos últimos 50 anos, argumentou Padovano, o ensino da Igreja agora seria diferente com relação ao controle da natalidade, ao sacerdócio casado, à ordenação de mulheres, às relações entre pessoas do mesmo sexo, à unidade ecumênica, à crise dos abusos sexuais por parte do clero, e "à responsabilidade fiscal e à má administração hierárquica".

Lei civil x Lei da Igreja
Ele também dedicou parte da sua conferência à diferença entre a lei civil e a lei da Igreja, "que está mais próxima da teologia do que da jurisprudência", observando que a Igreja "oficialmente permite a ilegalidade".

Entre os exemplos, ele citou a recusa das Igrejas Católicas orientais a aceitar o celibato obrigatório e o fato de que "os bispos, até mesmo o bispo de Roma, não concordaram" com o Código de Direito Canônico de 1917 que ordenou que toda diocese realizasse um Sínodo a cada 10 anos.

Quando o Papa João XXIII, em 1962, ordenou que todos os cursos de seminário fossem ensinados em latim, praticamente todos os seminários ignoraram isso, porque muitos dos seus professores não podiam falar essa língua, e muitos alunos não conseguiam entendê-la, e "Roma permitiu que o costume contrário prevalecesse" sobre a ordem papal, disse.

"O fato de jejuar um tempo antes de receber a Comunhão é ignorado. Quando comer carne nas sextas-feiras era proibido, os países católicos da Europa simplesmente não cumpriam a lei, e ela foi alterada", comentou.

O princípio de que, "na Igreja, a lei não é válida a menos que seja aceita pela comunidade" remonta a Santo Agostinho, há 16 séculos, disse.

Ele observou que o cânone final no Código de Direito Canônico, que rege todo o resto, diz que "a salvação das almas (...) é sempre a lei suprema da Igreja". Esse cânone mostra que a intenção fundamental de toda a lei da Igreja "é a espiritualidade ao invés da complacência", afirmou.

Pedindo um maior reconhecimento hierárquico de que a fé da Igreja "não é confiada a uns poucos, mas sim a todo o povo de Deus", Padovano disse: "Quando perdemos de vista as palavras de Lucas de que o Pentecostes era para 'todos', criamos não uma Igreja do Pentecostes, mas sim uma Igreja sem Pentecostes, que tem um lugar para a hierarquia, mas não para o povo de Deus".

"Por que quereríamos tal Igreja?", questionou. "É evidente que Cristo não a quereria. Nem nós".

O Conselho Católico Norte-Americano, formado há três anos para fazer avançar a reforma na Igreja, convocou o encontro em Detroit em um esforço para desenvolver uma agenda de reformas e para reverter o que os seus líderes – e praticamente todos os seus participantes – veem como um programa sustentado, com os Papas João Paulo II e Bento XVI e muitos bispos dos EUA nomeados por eles, para reverter muitas das reformas do Vaticano II.

Para saber mais, leia também:
Hans Küng pede revolução pacífica contra absolutismo romano

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ato inter-religioso em paróquia anglicana mostra que “uma outra religiosidade é possível”

Foto: APOGLBT

Na noite da última sexta (10), a imponente paróquia da Santíssima Trindade da Igreja Anglicana de Campos Elíseos foi ocupada por uma sensibilidade incomum em igrejas cristãs tradicionais: o amor incondicional aos homossexuais e o testemunho contundente contra a homofobia. Corpos e mentes de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais ocuparam lugar privilegiado no espaço sagrado dos anglicanos. Alguns cantaram, outros contaram suas histórias afetivas e sexuais, outros simplesmente rezaram pelo sofrimento de muitos.

O tema do 15º Mês do Orgulho LGBT de São Paulo, “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia”, foi a oportunidade para o reverendo Arthur Cavalcante receber em sua paróquia o ato inter-religioso organizado junto com a Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, a Reju e a APOGLBT. Lideranças da umbanda, do candomblé, do catolicismo [o padre jesuíta James Alison, de cujo trabalho já falamos aqui], protestantes e espíritas compareceram para o ato, marcando um capítulo do ecumenismo em São Paulo.

Ver o tema da sexualidade adentrar o púlpito de uma igreja cristã foi uma experiência nova e libertadora para quem participou. O estudante de teologia Cesar Barbato disse que teve que “lançar fora muito medo” para falar daquele lugar. A mágica da cura homossexual por meio da oração nunca veio, restando apenas a descoberta solitária da sexualidade em meio à família tradicional de pentecostais.

Barbato criticou o recuo do governo no combate à homofobia nas escolas, chamando a congregação a cantar “Apesar de você”, de Chico Buarque, para sonhar com outros tempos que virão. “Somos moeda de troca entre o poder e a bancada fundamentalista. Eu me pergunto quantos gays e quantos cristãos fundamentalistas votaram para isso”, criticou ele, lembrando os ataques contra a presidenciável por religiosos durante a campanha eleitoral.

Sempre intercalados pelo cântico que diz: “amor sem limites, por toda a humanidade”, as pessoas foram ocupando seu lugar no púlpito para testemunhar a importância do amor pelo semelhante, a despeito de suas preferências sexuais. A dona Maria Helena completou aniversário expressando de público seu orgulho de ser mãe de Ideraldo Beltrame, o presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Assim também foi o depoimento de dona Shirley, mulher que vive sua religiosidade no espiritismo, e contou do carinho que tinha pelo companheiro de seu filho.

A fisioterapeuta e militante lésbica Irina Bacci contou como superou uma vida assexuada após a morte da mãe para enfrentar atitudes homofóbicas e contribuir para um mundo com menos ódio e violência contra LGBT. Mãe Maria Emília Campi contou sua experiência como assistente social no atendimento a doentes de aids, como uma revelação para o enfrentamento que faria depois em sua própria família. “O aprendizado mais profundo não foi atender, mas entender os homens que fazem sexo com homens, os profissionais do sexo, as travestis e trans, compartilhando como foi duro ser banidos de suas casas, pela própria família, só por serem homossexuais”, afirmou a mãe-de-santo.

Depois de canções, confraternização, preces e depoimentos emocionados, o reverendo Arthur distribuiu laços coloridos pela igreja, que foram sendo desenrolados e ligandos as pessoas numa rede. “Temos que coexistir para nos juntarmos e não ficar só nos momentos difíceis. Temos que construir laços que perdurem”, afirmou o pastor, apontando para a perspectiva de novos vínculos entre aqueles que viveram um momento tão singular naquela noite.

(Fonte: APOGLBT SP)

O simples e o complexo


Há uma estação no nosso caminho em que o simples e o complexo convivem numa harmonia que nos ajuda a perceber mais profundamente a promessa profética de que o lobo e o cordeiro passearão juntos. A verdade é que, por muito tempo, olhamos para essas realidades em contraposição. Orientamos a nossa vida no desejo de uma coisa ou de outra, numa visão balizada, tranquilamente dicotómica, por acreditarmos que o simples e o complexo são coisas bem distintas.

À primeira vista parece que fomos criados para verdades simples e só essas respondem cabalmente às expectativas do coração humano. Uns dirão que a razão disso repousa unicamente na nossa incurável necessidade de segurança, e que verdadeiramente nada é simples, nada se colhe até ao fim num vislumbre imediato, e que o caminho que todos fazemos é do simples (que tem de ser deixado) para alcançar o complexo (que é o fatal ponto de chegada). E dão como exemplo a infância, a idade das evidências. À medida que crescemos essas evidências empalidecem, desdobram-se, diferenciam-se, entreabrem-se, interrogam-se, dividem-se. O que parecia simples escapa-nos, num processo de complexificação que não dominamos completamente e que, em grande medida, acaba por se nos impor. Creio, porém, que a experiência de que o essencial é simples, e que de modo ainda mais simples se deixa acolher, nos acompanha até ao fim. Mas também sei que, como existe uma conversão do coração ao modo simples que a vida tem de se exprimir (pelo menos, em certas horas), precisamos de trabalhar o nosso coração para aceitar, como condição de autenticidade, a dicção complexa da vida.

Recordo aquela frase que Paulo de Tarso cunhou: «agora vemos como num espelho, e de maneira confusa». Isto é, todas as visões são provisórias e o nosso olhar não é senão chamado à itinerância. O problema não é que o que nos tinham prometido ser simples depois se torna, sem aviso, complexo. Ou que o que esperávamos complexo se revela, desconcertantemente, simples. É necessário compreender, com humildade, que o problema não é da realidade, mas do modo como lidamos com ela. A questão é a da aprendizagem que o nosso olhar faz ou não faz do real.

Para quem a quiser ouvir, a vida lança-nos o desafio (a sugestão, a prece) de um amor sem posse. Não é o que sabíamos o mais importante, mas o que vamos sabendo. Não é o conhecimento armazenado de um dia que nos pode servir de mapa, mas a meditação do acontecer. Somos convocados para peregrinar, para aferir a profundidade no movimento, para vislumbrar através da incessante deslocação aquilo que permanece. O nosso olhar nem sempre aceita que é pobre, mas quando aceita, percebe finalmente aquilo que está dito num verso de Rainer Maria Rilke e em tantos outros lugares: «A pobreza é um grande brilho que vem de dentro...».

São de sabedoria as palavras do místico São João da Cruz:

Para chegares a saborear tudo,
não queiras ter gosto em coisa alguma.

Para chegares a possuir tudo,
não queiras possuir coisa alguma.

Para chegares a ser tudo,
não queiras ser coisa alguma.

Para chegares a saber tudo,
não queiras saber coisa alguma.

Para chegares ao que queres,
hás de ir por onde não queres.

Para chegares ao que não sabes,
hás de ir por onde sabes.

Para ires ao que não possuis,
hás de ir por onde possuis.

Para chegares ao que não és,
hás de ir por onde és.

- José Tolentino Mendonça
Fonte: Diário de Notícias (Madeira), via Secretariado Nacional de Cultura (Portugal), 11-06-11. Grifos nossos.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Semana da Diversidade na PUC-Rio


O Pe. Luís Correa Lima, que participará da mesa-redonda sobre diversidade sexual, tem um consistente trabalho pastoral e acadêmico sobre esse tema. Sobre o filme Assim me diz a Bíblia, que será exibido na oficina de combate à homofobia, já falamos aqui. Para quem puder, vale a pena conferir. Para quem não puder, vale divulgar!

Quando a Igreja se reduz a ser uma agência ética


O desvio moralista nos impede de ver a mudança radical que está ocorrendo na humanidade de hoje. Publicamos aqui a carta do teólogo e eremita camaldulense italiano Paolo Giannoni, professor emérito da Faculdade Teológica da Itália Central, ao diretor da revista italiana Settimana, nº. 20, 22-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, reproduzido via IHU com grifos nossos.

Caro diretor,

Gostaria de compartilhar alguns pensamentos sobre a atual situação da nossa Igreja. Devo ser sincero. Vejo muitas razões para deixar sepultado aquilo que já está morto. Pressinto a necessidade crescente de uma Igreja com mais silêncio, mais reflexão, maior disponibilidade à transformação, a viver a riqueza da pobreza e da paixão de Cristo. Exatamente o contrário do que acontece.

Aqueles que têm responsabilidades diretivas na Igreja conseguirão entender que vamos rumo a uma Igreja mais pobre, pobre de pessoas e pobre de dinheiro? Conseguirão entender que não podemos nos ajustar só sobre o valor da moral, ou principalmente sobre ele? Não se reduz o Evangelho a um valor ético, e a moral, a obra eclesial. Quando insistimos sobre a prevalência de sermos um corpo ético ou uma agência ética sacrificamos inevitavelmente a animação espiritual e nos candidatamos a uma presunção de hegemonia que já não tem qualquer parâmetro na realidade secular. A mentalidade geral hoje tem seus próprios códigos éticos, diferentes dos do patrimônio eclesial. Forçar a coincidência entre os nossos códigos e os difundidos por vias políticas significa colocar em risco a credibilidade do Evangelho e a própria possibilidade de entendimento sobre a ética.

A questão antropológica ou o desastre antropológico não são enfrentados com o recurso à política e com a pretensão de escrever as leis do Estado, mas sim participando no debate público sobre a base do Evangelho. Caso contrário, entramos em contradições insolúveis. Certamente, é necessário o respeito e o amor pela vida, mas o comércio das armas não vai contra a vida? Certamente, é apreciável o respeito pelos embriões, mas é aceitável que uma criança seja impossibilitada de acompanhar a escola? Certamente, somos contra o aborto, mas a recusa a quem pede asilo não equivale ao aborto? Não sermos opostos à abolição da fraude contábil não significa falhar na defesa do sétimo mandamento? Sim à defesa da família, mas não por parte de quem vive e legitima a prostituição. E o que dizer do silêncio – felizmente interrompido pela Cáritas – sobre o financiamento estatal de caráter social que passou de 1,520 bilhões em 2008 para 349 milhões em 2011?

São reflexões que o Pe. Severino Dianich expressou muito bem na revista Il Regno (20, 2010) e que eu havia intuído de alguma forma em um artigo nesta mesma revista em 1991, quando falei do "cisma informal", denunciando um crescente desinteresse pelo caminho em geral da nossa Igreja. Renunciar ao confronto paciente ou se esconder atrás de um muro de incenso para proteger seus seus atalhos não leva a lugar algum.

Entre a uniformidade de uma homologação impossível e o desgaste anarquista, existe a possibilidade de uma unidade da Igreja como veste de Cristo tecido em uma única peça, mas de muitas cores, como a veste de José. A literatura subsequente sobre o "cisma submerso" mostra suficientemente os danos já provocados (cf. Il Regno, 2, 2011, p.43).

O desvio moralista nos impede de ver a mudança radical que está ocorrendo na humanidade de hoje. Mais do que de antropologia, se deveria falar de antropogênese. As mudanças de paradigma são radicais. E isso exige não uma eclesiologia, mas sim uma eclesiogênese, não uma teologia, mas sim um teogênese. Em síntese: não a exibição do nome de Deus, mas sim o seu silêncio.

Certamente, o anúncio de um Deus trinitário não pode se limitar a afirmar sua subsistência, mas sim a ilustrar sua relação, não a sua totalidade malvada, mas sim a sua “alietas” libertadora, a sua diversidade inalcançável, que porém anima todas as criaturas. Permanece a dificuldade impossível de anunciar a santidade de Deus.

Esse é o primeiro testemunho, a primeira oferta que, como Igreja, temos que receber, viver e anunciar. Se não permanece entre nós a primeira e principal forma da santidade de Deus, nos tornamos uma Igreja heterodoxa. Quando a ética torna-se "teologia antes", já estamos na heterodoxia. A santidade de Deus é uma santidade dramática, como bem intuiu Dostoiévski. No "caso grave de Deus" e "caso grave do homem", a estética teológica supera a maravilha, porque magnifica a verdade divina do estupor. A maravilha pode implodir na cosmética; o estupor traz a santidade divina na beleza do coração humano.

Voltar à reflexão sobre Deus e à vida espiritual não é impotência e fuga. Foi esse o poder que sustentou a Igreja Ortodoxa na Rússia e a Igreja Católica de rito bizantino na Ucrânia. É o poder que sustenta as pequenas Igrejas do Oriente Médio. É esse o poder que sustenta a fraqueza dos eremitas e das testemunhas. Volta a profecia de Bonhoeffer, a luz silenciosa de Nazaré intuída por Charles de Foucauld e a caridade despedaçada dos "santos (que) vão para o inferno", de G. Cesbron. É a atitude que Dianich indica como mansidão.

Para levar tudo isso ao coração dos crentes, dos fiéis, é necessário retomar o estilo sinodal. Até na Igreja, assim como no mundo, ganham força os sistemas de medo e, portanto, de violências, de frustrações desiludidas, de excessos de rancor. A esperança hoje, além de animar, também pode cuidar e medicar. E, além disso, tudo isso já não estava contido na Gaudium et Spes do Vaticano II?

Luigi Sartori sempre insistiu na conciliação dos diferentes, e, de M. de Certeau, recebemos a pontual urgência de reconhecer o estrangeiro. É tolice excluir a diferença para nos fixarmos em uma uniformização bloqueadora. Quem exclui a união das diferenças também exclui a si mesmo. O perene pentecostes do Espírito é o desejo de Deus (Gn 1, 2) e o desejo da Esposa (Ap 22, 17) de uma comunhão universal da qual devemos ser o sacramento.

domingo, 12 de junho de 2011

Ou o sal não salga ou...

"Light blubs": Pieke Bergmans

Frente a pânicos morais todo cuidado é pouco. Qualquer movimento para sair deles pode nos empurrar mais ao fundo. Para escapar, é crucial agarrar-se aos fatos e à razão, colocando questões diferentes das que são formuladas pelos interessados em produzi-lo ou pelos que, nele, permanecem presos.

Frente ao pânico moral que cercou o kit anti-homofobia do Ministério da Educação, a ação do governo foi errática e confusa. Intempestivamente, Dilma mandou "suspendê-lo", em vez de dizer simplesmente que confiava no discernimento da equipe do ministério quanto ao seu teor e à sua utilização. Baseada no que viu na tevê, afirmou que o material "fazia propaganda de opções sexuais" e que isso seria inaceitável. Parece que se referia a uma frase em que um adolescente chegava à conclusão de que teria maiores chances de envolver-se com alguém, pois se sentia atraído igualmente por rapazes e moças. Colocando bissexuais em posição privilegiada em relação a homossexuais e a heterossexuais, mais limitados em suas "opções" (para usar a expressão da presidente), a ideia pode até ser considerada infeliz. Mas o que haveria de tão escandaloso nessa quase risível fabulação de um adolescente?

Se "ou o sal não salga ou a terra não se deixa salgar...", podemos dizer que ou todo esse imbróglio esconde "tenebrosas transações" (como muitos acreditam), ou revela certa concepção sobre os considerados sexualmente diferentes que urge submeter à crítica. O kit que o ministério desenvolveu aborda a homofobia sem vitimizar pessoas LGBT, apresentando sua diferença como algo positivo. Quando afirma que o governo "combate a homofobia, mas não propagandeia opções sexuais", a presidente parece dizer que, ao não tratar a homossexualidade como um "problema", o material a incentiva. Não estaríamos frente à tradução laica do mantra esquizofrenizante repetido ad nauseam por pastores e padres, segundo o qual se deve "amar o pecador, mas não o pecado"? Ou "acolher homossexuais, mas não a homossexualidade"?

Caso não seja isso, seria aconselhável Dilma vir a público dizer que os que afirmam ser a homossexualidade pecado e negam os direitos de cidadania a homens e mulheres homossexuais estão "propagandeando" a heterossexualidade e que isso é também inaceitável. Deve esclarecer que seu governo não combate apenas a barbárie homofóbica, mas defende a completa igualdade de direitos, fazendo suas as palavras dos juízes do STF sobre o estatuto das uniões homoafetivas. Sob pena de se misturar aos que consideram a homossexualidade inferior e deram início a toda essa confusão, deve deixar claro que os motivos que a fazem condenar o material produzido pelo ministério não são iguais aos de bolsonaros e garotinhos.

- Sergio Carrara, antropólogo
Publicado no jornal O Globo, na seção Opinião, em 07/06/2011.
Reproduzido via X1

Fogo que arde e não se vê

Cartão: Dear Nic

Porque meu amor é fogo por você, meu coração incandesce. Porque é água que me lava a alma, é brisa que refresca e acalma, é a terra do caminho por onde traçamos juntas nossos passos.

Porque meu amor por você é o riso que me sustenta, é a luz que me guia, é o sol que me aquece.

Porque meu amor constrói mundos, por meu amor cometas disparam em revoada e nascem estrelas e galáxias inteiras.

Ao teu lado, meu amor, sou mais inteira, sou mais digna, sou mais fiel à minha história, à minha essência, à minha vocação, a mim mesma.

Sim, Deus um dia disse: "Faça-se a Luz" - e nesse dia nos conhecemos.

Porque eu te amo, meu amor, sei a cada dia de novo que Deus existe, e sinto no nosso amor, meu amor, o amor dEle por você e por mim - e, sim, nosso amor é santo.

E a minha pele na tua, a minha carne e a tua - renovam a cada dia a vida na face da Terra.

* * *

(Te amo. ;-)

Amar é...


O mundo está desencantado, dizem os sociólogos. Já não tem mais a povoá-lo uma miríade de deuses, seres fabulosos e milagrosos, fadas, duendes, semideuses e demiurgos. A modernidade defrontou o ser humano com a dura realidade que começa e termina biologicamente no recorrente ciclo do nascer, crescer, desenvolver-se, procriar, declinar e morrer. E parece longe a exclamação do filósofo Tales de Mileto, 5000 anos antes de Cristo: “O mundo está cheio de deuses”.

O mundo não está cheio de deuses, não se encontra mais habitado pela Transcendência que o “encante”e maravilhe. Está desencantado e finito, sem nada que permita ao ser humano deslumbrar-se, sonhar e auto-transcender-se. No entanto, há brechas nesta implacável imanência em que se transformou o mundo: o amor humano, muito especialmente o amor entre o homem e a mulher. Por isso, o próximo dia dos namorados relembra isso que é uma das mais maravilhosas coisas da vida: namorar, ou seja, segundo o dicionário Houaiss, encantar-se por outra pessoa e empenhar-se por sua vez em encantá-la.

É fato que o namoro hoje é bem diferente de antes. Tudo já é experimentado de antemão, os preâmbulos (tão bons e encantadores, meu Deus!) são dispensados. Vai-se direto aos finalmente, apressando demais o ritmo de algo que deve ser fruído a cada etapa, degustado e saboreado. Mas não importa. Seja ou não assim, não ajuda tampouco chorar sobre leite entornado e viver nostálgico dos “bons tempos”. Que aliás não eram tão perfeitos , pois também apresentavam seus problemas.

Em todo caso, o namoro continua acontecendo. Ou seja, as pessoas (pelo menos algumas) continuam se encantando, se enamorando, passando noites acordadas só para pensar na pessoa amada. Os corações ainda batem em ritmo acelerado ao ver aquele que me enamora e que passa a ser único em meio a qualquer multidão. Ainda desejam viver a aventura do enamorar-se, do apaixonar-se, do encantar-se. E de “curtir” profundamente este amor, no qual a aproximação física e psíquica, baseada sobre uma atração recíproca, e que cresce com a convivência e o mútuo conhecimento, aspira à continuidade.

Em tempos de volatilidade e relações líquidas como os nossos, investir no namoro, acreditar no amor, valorizar a relação firme e profunda é certamente um belo desafio. Excitante e estimulante. Pois nem só de suspiros e olhares sedutores e mãos geladas e coração batendo vive o namoro. Vive também de entrega profunda , de fidelidade reiterada e confirmada, dia após dia, de confiança renovada , de perdão doado talvez mais de uma vez. Pois se não se é capaz de se perdoar a quem se ama, se o orgulho é mais forte do que o amor, como essa relação espera sobreviver aos muitos embates da vida e à finitude e fragilidade dos parceiros?

Namorar é bom. É mesmo uma das boas coisas da vida. Namoremos pois. Mas levando a sério o namoro. Fruindo de seu encantamento mas também sabendo que até o encanto tem um preço. E o preço é o de estar muitas vezes disposto a dar mais do que receber. A perdoar mais de uma vez. A viver o encantamento da paixão mas também a doação da maturidade, quando a paixão se transformou em calmo sentimento de companheirismo, amizade, dedicação.

Um mundo desencantado? Não enquanto houver namorados. Não enquanto houver pessoas capazes de se apaixonar e não considerar a paixão como um episódio momentâneo, mas como uma graça recebida que deve ser cultivada com muito amor e carinho. Feliz dia dos namorados a todos e todas que no dia de hoje podem nomear o amor que sentem. É uma graça infinita que deve ser vivida com responsabilidade.


- Maria Clara Bingemer
Reproduzido via Amai-vos

* * *

Feliz Dia dos Namorados. E das Namoradas, também. :-)

Os sete dons do Espírito Santo


Inspirada no Livro do Profeta Isaías (Is 11, 2-ss) a tradição da Igreja nos ensina que o Espírito Santo dá à humanidade 7 dons. São eles:

1-SABEDORIA - dom que nos faz perceber e conhecer os caminhos de Deus em nossas vidas.

2-ENTENDIMENTO - dom que nos faz entender as sublimes verdades da salvação.

3-CONSELHO - dom que nos faz saber escolher a direção da divina graça, nos difíceis passos da vida.

4-FORTALEZA - dom que nos dá força para aguardarmos com paciência, e mesmo com alegria do espírito, o desprezo, o prejuízo, as perseguições e a própria morte.

5-CIÊNCIA - dom que nos possibilita conhecer cada vez mais a nossa própria miséria e fraqueza, a beleza da virtude e o valor inestimável da alma, a fim de que sempre possamos ver claramente as ciladas do mundo e evitá-las.

6-PIEDADE - dom que nos torna mais dócil no trato com o SENHOR através da oração, para podermos amar a Deus com amor de Filhos, à Maria Santíssima, como nossa mãe e a todos os homens como irmãos em Jesus Cristo.

7-TEMOR A DEUS - dom que nos faz lembrar do respeito que devemos ter para com as coisas divinas, principalmente por todos os benefícios que proporciona para o nosso espírito e salvação.

- Gilda Carvalho, via Amai-vos

Vem, Espírito Santo

Escultura em papel: Calvin Nicholls

Segundo São João, o Espírito faz presente Jesus na comunidade cristã, recordando-nos a Sua mensagem, fazendo-nos caminhar na Sua verdade, interiorizando em nós o Seu mandato de amor. A esse Espírito invocamos nesta festa de Pentecostes.

Vem, Espírito Santo, e ensina-nos a invocar a Deus com esse nome entranhado de "Pai" que nos ensinou Jesus. Se não sentimos a Sua presença boa no meio de nós, viveremos como órfãos. Recorda-nos que só Jesus é o caminho que nos leva até Ele. Que só a Sua vida entregue aos últimos nos mostra o Seu verdadeiro rosto. Sem Jesus nunca entenderemos a Sua sede de paz, de justiça e dignidade para todos os Seus filhos e filhas.

Vem, Espírito Santo, e faz-nos caminhar na verdade de Jesus. Sem a Tua luz e o Teu alento, esqueceremos uma e outra vez o Seu Projeto de reino de Deus. Viveremos sem paixão e sem esperança. Não saberemos por que o seguimos nem para quê. Não saberemos por que viver e por que sofrer. E o Reino continuará a esperar colaboradores.

Vem, Espírito Santo, e ensina-nos a anunciar a Boa Nova de Jesus. Que não deitemos cargas pesadas sobre ninguém. Que não opinemos sobre problemas que não nos doem nem condenemos a quem necessita sobretudo de acolhida e compreensão. Que nunca quebremos a cana gasta nem apaguemos a mecha vacilante.

Vem, Espírito Santo, e infunde em nós a experiência religiosa de Jesus. Que não nos percamos em trivialidades enquanto descuidamos a justiça, a misericórdia e a fé. Que nada nem ninguém nos distraia de segui-lo como único Senhor. Que nenhuma doutrina, prática ou devoção nos afaste do Seu Evangelho.

Vem, Espírito Santo, e aumenta a nossa fé para experimentar a força de Jesus no centro mesmo da nossa debilidade. Ensina-nos a alimentar a nossa vida, não de tradições humanas nem palavras vazias, mas do conhecimento interno da sua Pessoa. Que nos deixemos guiar sempre pelo Seu Espírito audaz e criador, não pelo nosso instinto de segurança.

Vem, Espírito Santo, transforma os nossos corações e converte-nos a Jesus. Se cada um de nós não mudar, nada mudará na Sua Igreja. Se todos continuarmos cativos da inércia, nada novo e bom nascerá entre os Seus seguidores. Se não nos deixarmos arrastar pela Sua criatividade, o Seu movimento ficará bloqueado.

Vem, Espírito Santo, e defende-nos do risco de esquecer Jesus. Apanhados pelos nossos medos e incertezas, não somos capazes de escutar a Sua voz, nem sentir o Seu alento. Desperta a nossa adesão pois, se perdemos o contato com Ele, continuará a crescer em nós o nervosismo e a insegurança.

- José Antonio Pagola
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